São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 1997
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A vingança de Matilda contra a escola pública

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Perdido o ideal cenográfico de trabalho e fraternidade, que eu quisera que fosse a escola, tinha que soltar para outras bandas os pombos da imaginação", diz o escritor Raul Pompéia em seu romance "O Ateneu", clássico sobre a vida num colégio interno.
Já Matilda, a garota de 8 anos que mudou este ano da escola particular para a escola pública, disse dramaticamente à mãe, ao voltar do seu primeiro dia de aula na 3ª série de uma escola municipal de São Paulo: "Eu nunca vou perdoar você por ter me tirado da minha escola." Os pais dela não tinham mais como pagar as mensalidades escolares.
Os problemas de Matilda não são obviamente os mesmos do menino Sérgio de "O Ateneu". Ela não encontrou nem a mão de ferro de um medonho diretor Aristarco nem a obscura rigidez de um professor Mânlio.
Entre as queixas de Matilda, estavam as condições daquela "escola de pobre", a merenda de gosto ruim, a solidão no pátio de uma escola em que, como as classes não têm menos de 40 alunos, a criança se ressente de falta de atenção.
Mas tomado no contexto geral, o problema de Matilda é idêntico ao de Sérgio: uma crise de descrédito escolar. "Período sereno da minha vida moral", confessa Raul Pompéia no seu genial "O Ateneu", "capítulo a escrever sobre uma banqueta de altar (..), inolvidáveis tréguas de íntimo sossego em toda a minha juventude, eis em que se tornou a minha amarga descida ao fundo descrédito escolar."
Depois ela reclamou do arroz-doce e da canjica da merenda. Sobretudo recusa-se a viver o que já via antes acontecer com seu primo que frequenta a mesma escola. Todo fim do mês, nas escolas municipais de São Paulo, cada criança que tiver bom índice de comparecimento às aulas recebe uma lata de leite em pó como prêmio.
São as pedagogias erradas. Arroz-doce, canjica e leite em pó não são exatamente clássicos da preferência infantil. Matilda disse, com razão, que vai jogar fora a lata de leite -presente para os pais, na verdade, e não para a criança.
As queixas de Matilda podem ser vistas como caprichos de criança mimada. Mas não são. São reclamações legítimas. Para enxergá-las, bastaria aos educadores "assumir", como já disse Paulo Freire, a "ingenuidade dos educandos", para poder, com eles, superá-la -e não impor autoritariamente a compreensão adulta.
Matilda é nome fictício para a criança real que vive esse fato real. Foi inspirado no filme "Matilda", que está em cartaz nos cinemas de São Paulo. Com direção de Danny De Vito, o filme conta a história de uma menina que desenvolve superpoderes para enfrentar a vida com os pais cruéis e a tirania perversa da diretora da escola.

E-mail mfelinto@uol.com.br

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