São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 1997
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Violência e sexo dominam

NELSON DE SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL

"Let me tell you something:/ life is a bitch..." (deixe-me dizer a você uma coisa: a vida é uma puta). É assim que começa, sob uma batida de clube londrino e com uma voz sarcástica de mulher, a peça "Shopping and Fucking".
O enredo: um jovem (Mark) que se vicia tanto nas pessoas quanto em drogas, que está buscando se livrar das duas, deixa o casal com quem vivia, mas logo encontra um garoto de programa de 14 anos (Gary), talvez HIV positivo, certamente S&M, a quem compra e por quem depois é comprado. Por quem se apaixona e a quem termina por matar, a pedido dele mesmo, o menino.
Antes, o casal com quem vivia, ambos jovens desempregados em Londres, luta resignada e esforçadamente para encontrar um sustento qualquer. Ela (Lulu), como televendedora de um canal de compras pelo qual todos são fascinados, depois como traficante, como parte do "aprendizado" dirigido pelo chefe de vendas (Brian) que a assedia.
No meio do caminho, com muito "wit" entre a degradação e a comida pronta, furtada de "7 Eleven", não falta sexo em cena, ou quase, com passagens como um jovem, como dizer, lambendo o traseiro do outro e descobrindo que o outro, doente, sangra por ali.
Também não falta violência, numa ambientação que mistura o apocalipse mais aterrador ao cotidiano mais trivial. Um dos jovens surge ferido e a jovem, que um dia foi sua mulher ou algo assim, comenta que "um ferimento vai bem em você, faz parte de você".
A peça, que leva o nada eufemístico título de "Shopping and Fucking", comprando e fodendo, está com a temporada lotada, com imensa dificuldade para conseguir ingressos, mais do que qualquer outra no West End. Também descobriu um público jovem que a envelhecida Londres havia perdido.
É de um dramaturgo, também ele, claro, jovem, Mark Ravenhill, em sua primeira peça, parte da explosão de dramaturgia inglesa iniciada no Royal Court Theatre. Ravenhill tem obsessão por contar histórias, ou antes, revolta-se com a perda de capacidade de contar histórias.
É uma peça realista, mas apenas em parte. O humor, por outro lado, ao mesmo tempo incorpora-se à história e faz com que a violência, o horror, a morte não se distanciem. Torna cotidiano, ou melhor, recorda como são cotidianos a violência, o horror, a morte, em toda parte.
(NS)

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