São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 1997
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Pacto social às avessas

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nunca me dou ao respeito de ler os pronunciamentos presidenciais. São longos, óbvios na mentira e óbvios no sentido mercadológico-eleitoral. Limito-me às frases pinçadas pelos editores ou pelas declarações de viva voz na TV. Quando está no exterior, a imagem que ele vende do Brasil e de seu governo é simplória: tudo está bem e os problemas existentes (desemprego, concentração de renda, conflitos no campo etc.) foram criados por governos anteriores e pela oposição.
Já foi notada a pouca seriedade dos números brandidos pelo presidente. Nessa matéria de número, ele só procurou apurar com rigor os votos de que dispunha no Congresso para aprovar a emenda da reeleição.
Aliás, sua maior obra nesses dois anos de mandato foi justamente essa modificação na Constituição que jurou respeitar. Despejou toda a fúria do poder para obter uma vantagem que o beneficia -embora ainda se possa imaginar que governadores e prefeitos também repartam o butim.
Afora o constrangimento ético que deveria sentir, há agora a necessidade de aproveitar os próximos dois anos de mandato para a campanha eleitoral inédita em nossa história. O episódio mais importante do seu governo ficou sendo mesmo essa reeleição obtida pelo fórceps da fisiologia mais descarada de nossa vida republicana.
Li não sei onde que um ministro foi cobrado por um deputado que mudou seu voto para ganhar um cala-boca. O credor lembrou que o governo lhe devia alguma coisa. Ao que o ministro respondeu: a dívida é discutível. Há uma interjeição onomatopaica para designar o vômito. Recuso-me a usá-la.
Como a emenda ainda não lhe garante novo mandato, o presidente terá agora de conquistar e manter alianças para a sagração das urnas. Ele não poderá contrariar os reais controladores da injustiça no campo e da injustiça na concentração de renda. É o famoso pacto social, mas às avessas.

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