São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 1997
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Jacques Demy retoma sua lenda romântica

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 7 anos, o cineasta Jacques Demy, "uma criança sem o amor necessário", assistiu a "Branca de Neve", de Walt Disney. Como o espectador brasileiro poderá descobrir com a reestréia no país de seu "Guarda-Chuvas do Amor", e no livro "Le Cinéma Enchanté", recém-lançado na França, a experiência foi fatal.
A estação Demy. Após seis anos de sua morte (vitimado pela leucemia, ou "complicações da Aids", suspeita nunca comprovada, em novembro de 1990), o cineasta das cores violentas e esteta absoluto do cinema de sua geração é, mais uma vez, a atração de uma temporada.
"O Cinema Encantado de Jacques Demy", da jornalista Camille Taboulay, é o resultado de um mergulho nos arquivos do diretor, realizado com a permissão de sua filha e de sua mulher, a diretora Agnès Varda.
Editado pelos Cahiers du Cinéma (a revista-núcleo da nouvelle vague, o movimento francês que pretendia reescrever a gramática e a cultura cinematográfica no final dos anos 50 e início dos 60), o livro traz, em suas 190 páginas, cartas, fotos, documentos, canções e poemas inéditos.
Termina por oferecer ao leitor a noção de que ele foi um cineasta único para sua geração. Enquanto Jean-Luc Godard ou François Truffaut eram reverenciais à obra literária, Demy se voltava para a pintura e os efeitos.
Enquanto outros viam o gênero no cinema como um objeto a ser demolido, Demy possuía uma adoração terna e quase infantil pela tradição, comprovando a suspeita de que todo revolucionário é um conservador em busca da pureza dos velhos valores.
Taboulay parte do início. Conta de que maneira Demy nunca se acreditou amado por seus pais para procurar refúgio na criação. Aos 20 anos, realiza seu primeiro curta-metragem e, em 1963, depois de "Lola" (1960) e "La Baie des Anges" (1962), chega à perfeição cromática.
O nome de seu achado é "Les Parapluies de Cherbourg" (no Brasil "Os Guarda-Chuvas do Amor", que a distribuidora Pandora promete relançar nos cinemas ainda neste primeiro semestre), que ganha a Palma de Ouro no festival de Cannes de 1964 e com o filme concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Pós-coital
Em "Os Guarda-Chuvas", Demy encontra a fama internacional, em parceria com o músico Michel Legrand. E o cinema ganha Catherine Deneuve.
É ela a estrela de uma história de amor inteiramente cantada, em que as pessoas, para os mais simples dos gestos, como pedir o sal em uma refeição, tem que executar uma canção.
Demy faz então, em meio a uma onda revolucionária, uma transformação que tem como princípio apenas os mais velhos elementos: a opereta e a pintura.
"Os filmes de Jacques Demy mostram a rima (a harmonia) e também constroem um mundo de incidências contrárias. Ele era um navegador solitário", escreve Camille Taboulay.
Logo após a aceitação e o reconhecimento, volta à produção em 1967 para realizar um desejo adolescente: filmar com o diretor e bailarino Gene Kelly em "Les Demoiselles de Rochefort".
Mais uma vez o que mais o interessa são as cores, as luzes, o musical e uma história que envolve uma paixão. Filma com Françoise Dorléac, irmã de Deneuve, que morre pouco depois.
O último trabalho de Demy, "Trois Places Pour le 26", é lançado em 1988. Mas de alguma forma para ele seria sempre "Os Guarda-Chuvas", o filme que moldou sua imagem romântica.
Assim, o trabalho de Taboulay não é questionar quem foi Demy. A tarefa é reafirmar sua lenda.
Mas serve para trazer a tona o quanto havia de delírio em seu cinema, que era essencialmente pré-coital, enquanto todos ao redor, de diferentes formas, eram pós-coital.
Em seus filmes as pessoas estão sempre lidando com uma felicidade anunciada e prometida, mas nunca efetivamente realizada. O amor, o prazer e a felicidade eram, apenas, pura fantasia.

Livro: Le Cinéma Enchanté de Jacques Demy
Autor: Camille Taboulay
Lançamento: Cahiers du Cinéma (190 págs.)
Quanto: 195 francos (cerca de R$ 40)
Onde encomendar: Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275; tel. 011/231-4555)

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