São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 1997
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A lição de Darcy

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A repercussão da morte de Darcy Ribeiro, apesar de mais do que merecida, pareceu-me hipócrita. Celebrou-se o personagem brilhante e folclórico, mas não se prestou atenção ao que ele disse e ensinou. E poucos homens na história deste país disseram coisas fundamentais como ele.
A começar pelo mais importante, pela grande obsessão de sua vida, que era a educação, sobretudo a de primeiro grau. Foi essa obsessão, que ele herdou de Anísio Teixeira e encontrou em Leonel Brizola um executivo entusiasta, que o levou aos Cieps, ou seja, à prioridade básica na educação integral.
E educação integral não é ensino. A sociedade reagiu mal ao conceito, achando que basta o ensino em turnos de algumas horas. Com a crueldade suplementar de dar deveres de casa a quem geralmente não tem casa.
Para Darcy, educação exigia tempo e espaço. Tempo igual ao da jornada dos pais, espaço para evitar que, durante horas, aluno e professor fiquem um em frente ao outro se detestando.
Projeto caro, mas o único que realmente deveria interessar a um país que pretende se globalizar de forma desvantajosa diante de países onde o estágio da educação de primeiro grau já atingiu condições mínimas para o time entrar em campo.
A sociedade, atualmente liderada por neoliberais interessados em manter mão-de-obra barata e sem oportunidade de ascensão social, combateu a educação integrada considerando faustoso o custo dos prédios -como se o problema fosse apenas de "salas de aulas".
Cada vez mais me convenço de que uma ou duas gerações de brasileiros devam fazer o sacrifício de investir compactamente nesse tipo de educação, mesmo em detrimento de outras prioridades. O resto é filigrana para orgasmo mental de guarda-livros e tecnocratas.
Foi essa, creio eu, a principal, a mais importante lição de Darcy Ribeiro, e, sem dúvida, a mais bela.

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