São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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Reformas: o mercado exagera nas esperanças

MAILSON DA NÓBREGA

O otimismo quanto as reformas reacendeu com as vitórias políticas do presidente e até com sua triunfal viagem à Europa. A euforia que se vê no mercado é a meu ver exagerada.
O clima lembra o da posse. Dizia-se então que a conquista eleitoral permitiria ao presidente obter logo as reformas.
O presidente é criticado até hoje por "não ter aproveitado aquele momento para reformar de vez o país". Há quem exagere: a primeira reforma deveria ter sido a política.
Noutra visão, a primeira deveria ter sido a reforma fiscal, embora poucos saibam onde ela começa ou termina. Por aí, o presidente errou ao principiar pelas reformas da ordem econômica.
A expectativa de rapidez e abrangência nas reformas é própria de uma certa cultura cesarista. Muitos preferem um presidente com a força pessoal do déspota, esclarecido ou não.
Collor valeu-se disso em seu marketing político. Prometeu mudar o país nos primeiros cem dias. Parcelas do empresariado se encantaram com tamanha determinação. Deu no que deu.
A promessa jamais poderia ser cumprida. Mudar um país complexo, em transição, é uma longa tarefa, que se tornou mais difícil depois de 1988. Quase tudo virou preceito constitucional.
Esperanças excessivas, de antes e de agora, decorrem da baixa percepção dessa complexidade. É preciso distinguir dois tipos de reformas e avaliar as chances de cada uma delas.
Parece acaciano dizer que existem reformas simples e complexas. Mas é aí que reside a grande diferença. As reformas simples, plebiscitárias, se resolvem com um sim ou um não.
Exemplo de reforma plebiscitária é a reeleição. O parlamentar, contra ou a favor, dificilmente corre risco de descontentar suas bases eleitorais. A reeleição não atinge privilégios de grupos de interesse.
São exceções os parlamentares de esquerda, com bases eleitorais que professam ideologia distinta da do governo, ou aqueles ligados a políticos cujo projeto pessoal é o mesmo de FHC: a presidência.
Já as reformas previdenciária, administrativa e tributária são complexas. Não se resolvem com sim ou não. Há pressões de diferentes grupos de interesse, incluindo Estados e municípios.
O parlamentar pode votar contrária ou favoravelmente numa ou noutra, em parte ou no todo de cada proposta. Há o que julga a reforma tímida e o que a entende ousada demais.
Numa reforma, o parlamentar pode seguir a opinião pública, como no caso da ordem econômica. Noutra, decide com um olho em quem lhe dá votos.
É despropositado, assim, achar que o presidente aprovará agora o que quiser. É errado raciocinar que ele deveria aplicar-se tanto quanto na reforma da reeleição. São coisas diferentes.
A estratégia tem sido adequada. Começou pelas reformas mais simples, as da ordem econômica, e passou em seguida às três ora sob exame no Congresso. No entremeio, buscou-se a da reeleição, para alargar o horizonte provável de poder e reforçar a capacidade de mudar.
Teria sido um erro monumental começar pelos temas complexos e, pior ainda, pela reforma política. Seria correr o risco de paralisia decisória, com perda de prestígio e recursos de poder logo na partida.
Há críticas a fazer. O governo poderia ter-se preparado melhor nos projetos complexos. Foi ineficiente na reforma previdenciária. A demora na aprovação das respectivas reformas não deve ser vista, todavia, como falta de vontade política ou perda do ímpeto reformista.
Voltam agora as reformas complexas. As vitórias políticas do presidente lhes conferiram novas e melhores condições de negociar com o Congresso. Mas será ilusão imaginar que ele aprovará tudo, na velocidade que muitos desejam.
É certo que ficará menos difícil obter as reformas, pois a hipótese da reeleição induz o sistema político a uma tendência centrípeta. Novas vitórias devem ocorrer ao longo do ano.
A curto prazo, o maior beneficiário do novo quadro político deverá ser o programa de privatização. Além de o processo já ter amadurecido, temos agora um presidente com maior capacidade de resistência a certas pressões.
Em resumo, é preciso não exagerar no otimismo quanto às reformas nem pensar em desastre se elas não saírem no próximo mês.
Cabe continuar demandando o compromisso com as reformas. Salvo um evento externo desfavorável enquanto isso, problemas somente existirão se elas demorarem para além do razoável.

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