São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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Novo "Jornada" remete ao futuro do pretérito

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

E vamos nós na Enterprise, outra vez, embarcados na mais estranha série já feita no cinema.
"Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato" -enésimo filme da série- não é uma reprise. Mas é quase impossível não lembrar de "Flash Gordon", o seriado dos anos 30. A mesma iconografia futurista, a mesma crença na ciência e na evolução parecem orientar os dois trabalhos.
Mas é também a maneira como as coisas se põem em cena que faz a aproximação. Há cenários que não têm cara de passado ou de futuro, mas de cenários, simplesmente.
Há uma relação antiquada com os efeitos especiais, que não procuram seduzir pelo efeito realista, mas por solicitar ao espectador que acredite naquilo que vê.
Dito isso, "Primeiro Contato" trata de uma volta ao passado. Não deixa de lembrar, por exemplo, "De Volta para o Futuro", a ficção científica dos anos 80, já que a tripulação do comandante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) deve voltar de um futuro remotíssimo até o ano 2063.
Sua missão: impedir que os Borgs -terríveis alienígenas que incorporam os humanos- tomem conta de uma Terra devastada pela guerra nuclear e comprometam todo o futuro.
No mais, os Borgs não deixam de evocar uma pilha de filmes de horror (inclusive os de Zé do Caixão), já que buscam a perfeição de maneira obsessiva. Dessa perfeição monstruosa faria parte sua natureza, que amalgama traços mecânicos a elementos orgânicos.
Desde a viagem no tempo até o tipo de inimigo que enfrenta, a tripulação da Enterprise pode vir do século que quiser. O filme nos remete sempre, inevitavelmente, ao passado.
É, literalmente, o futuro do pretérito. A Enterprise (na tradição da série) move-se num terreno dado.
Tematicamente, os alienígenas são totalitários -tratamos, então, da luta entre liberdade e tirania, como nos tempos da Guerra Fria ou da luta contra o nazismo.
Os valores envolvidos são aqueles que conhecemos, nada mais. São apenas um pouco hiperbólicos: os Borgs não se contentam em eliminar a individualidade. Eliminam também o coletivismo, integrando todos os seres a um único ser referencial.
No desenvolvimento, outros fatores nos remetem a sagas já exploradas mais criativamente. Exemplo: os Borgs são invasores de corpos, como em "The Body Snatchers", de Don Siegel, ou "Eles Vivem", de John Carpenter.
Mas esses filmes -e há outros- baseavam-se na angústia de nunca sabermos, a rigor, se a invasão já havia acontecido ou não. Se tal sujeito, quando aparecia, ainda era um homem ou já um mutante.
"Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato" mantém-se fiel a si mesma. O espectador pisa sempre em um terreno de certezas, de idéias e situações idas e vividas.
É até certo ponto esperável -já que a série se dirige ao público adolescente-, mas ainda assim seria possível pedir um pouco mais de inquietude na evolução.
Alguns achados (como o fato de Picard já ter sido absorvido, algum dia, pelos Borgs) permanecem inexplorados, já que o roteiro evita qualquer ambiguidade e a direção apenas enfatiza essa platitude.
Com isso, "Primeiro Contato" sustenta-se no de sempre: tecnicalidades sobre o futuro, figuras inverossímeis, algum humor (infelizmente pouco), dois ou três momentos curiosos (como a cena de amor entre o robô Data -Brent Spiner- e a rainha Borg -Alice Krige), uma ou duas auto-ironias.
Não é muito. Mas a maior parte do que se pode arrolar como virtudes de "Primeiro Contato" acaba, quase sempre, soterrada pela música infernal de Jerry Goldsmith.

Filme: Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato
Produção: EUA, 1996
Direção: Jonathan Frakes
Com: Patrick Stewart, Jonathan Frakes
Quando: a partir de hoje, nos cines Ipiranga 1, Gemini 2, Liberty, Center Iguatemi 2 e circuito

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