São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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"Uma Família Quase Perfeita" enaltece rebeldia conservadora

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não existe nada pior que a rebeldia a favor. E é esse o caso de "Uma Família Quase Perfeita".
O argumento até que poderia ser explosivo: um garoto de 14 anos e sua irmãzinha de 10 trancam os pais no porão, onde acabam indo parar também os pais de outros adolescentes do bairro.
Crianças no poder, adultos à sua mercê. Grandes possibilidades.
Alguém poderia lembrar de "O Anjo Exterminador", em que Buñuel trancafiou um grupo de burgueses numa sala por semanas, ou de "Tout Va Bien", de Godard, em que operários ocupam uma fábrica e submetem os patrões às mesmas humilhações a que eram submetidos diariamente.
Um exemplo mais próximo seria o espanhol "Os Meninos", que mostra uma apavorante insurreição universal das crianças.
Agora esqueça tudo isso. "Uma Família..." não tem nada a ver com cinema, e menos ainda com revolução. É uma peça publicitária feita para promover as instituições, os panos quentes, a hipocrisia.
A iniciativa dos garotos Grover (Kyle Howard) e Stacy (Amy Sakasitz) tem um sentido conservador. É para forçar os pais (Jamie Lee Curtis e Kevin Pollak) a reconsiderar a decisão de se separar que eles os prendem no porão.
Depois alguns colegas aproveitam a ocasião para enfiar seus próprios pais nessa prisão domiciliar.
Tanto no andar de cima, onde os garotos extravasam sua rebeldia ouvindo rock em volume alto e jogando pipocas uns nos outros, como no porão, onde a lavagem de roupa suja dos casais descamba para um arremedo de psicodrama, reina um humor ao mesmo tempo convencional e histérico.
Há, pensando bem, uma similitude entre o fascismo "bem intencionado" de Grover e Stacy e a atitude do filme com relação ao espectador. Se os garotos querem obrigar os pais a se amarem na marra, soterrando-os com música melosa e vídeos domésticos encharcados de memórias românticas, o filme busca submeter o espectador a uma chantagem emocional análoga.
Tudo nele -as piadas, o desenho dos personagens, as soluções dramáticas, a "mise-en-scène", a música, a montagem- parece saído daquelas pesquisas que procuram definir o gosto do público americano médio.
A regra básica parece ser: "Já esgotamos a quota de originalidade imaginando o sequestro dos pais pelos filhos. Daqui para a frente, nada de invenção, nada de ousadia, nada de surpresas".
Hitchcock dizia que partir de um clichê e criar algo de novo era muito melhor do que partir de uma idéia nova e desembocar num clichê. O cinema industrial norte-americano parece empenhado em provar o contrário.
Se você for masoquista o suficiente para querer ver este filme, então vá logo ao Ibirapuera 3, onde a projeção é péssima e o ingresso custa dez paus.

Filme: Uma Família Quase Perfeita
Produção: EUA, 1996
Direção: Harry Winer
Com: Jamie Lee Curtis, Kevin Pollak
Quando: a partir de hoje, nos cines Paris, Lar Center 1, Ibirapuera 3 e circuito

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