São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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Produção sobre 'gueto de Xangai' faz sucesso

PAULA DIEHL
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BERLIM

Para quem estava contando com salas vazias durante a exibição de "Exílio Xangai", documentário de 255 minutos da diretora alemã Ulrike Ottinger, os cinemas lotados em todas as três apresentações do filme no Festival de Berlim certamente surpreenderam.
Nos anos 30, dominada pelo Japão e repartida em setores, em estrutura colonial, Xangai abrigava franceses, ingleses, alemães e japoneses entre os próprios chineses e era a última alternativa para os que fugiam do nazismo.
A partir de 1937, com a radicalização e expansão do anti-semitismo nazista, os imigrantes judeus passam a chegar cada vez em maior número a Xangai. Com o avanço da guerra, os japoneses isolam os judeus em guetos onde chineses pobres já haviam sido confinados.
O filme de Ottinger retrata o trajeto da Europa à Ásia de oito pessoas durante os anos 30. Ela mescla entrevistas e relatos com imagens poéticas da Xangai atual.
Leia a seguir trechos de entrevista com Geofrey Heller, professor da Universidade da Califórnia e um dos protagonistas do filme.
*
Folha - Como o senhor chegou a Xangai?
Geofrey Heller - A viagem não foi voluntária. Nós éramos perseguidos pelos nazistas. Para o meu pai isso foi muito duro, pois ele havia servido no Exército alemão na Primeira Guerra Mundial e acreditava que não seria perseguido.
Eu e meu irmão chegamos em 1939 à Inglaterra. Moramos lá com alguns amigos até a guerra atingir o território britânico. Meus pais permaneceram na Alemanha, tentando vender seus bens. Eles ficaram muito tempo na Alemanha, e quase foi tarde demais.
Folha - O senhor era religioso?
Heller - Como muitos outros na época, o único contato com religião que eu tive foi na escola, na aula de religião, que era protestante. As gerações mais antigas da minha família eram religiosas. Mas a religiosidade não faz muita diferença. Pode-se sentir ligado ao destino judaico sem ser religioso.
Folha - Onde o senhor morou em Xangai?
Heller - Primeiro nós moramos no setor francês. Em 1943 os japoneses designaram uma área para os exilados que, como mostra o filme, era um bairro de infra-estrutura muito primitiva. Mas os chineses que já moravam lá não nos hostilizaram. Eu sou muito grato por eles nos aceitarem em um bairro onde já havia muitas pessoas, e tão pobres.
Folha - Como era a vida no gueto?
Heller - Na guerra não havia muitas alegrias. Tudo era muito duro e perigoso, o calor, a fome.
Folha - Como eram os judeus de outros países que já viviam no gueto?
Heller - É interessante como esses imigrantes dos diversos países levavam consigo seus preconceitos. É engraçado como as pessoas, mesmo estando a tantas milhas de distância, continuam a reproduzir as mesmas relações da terra natal. Mas não aconteceu nenhum encontro de culturas. A sobrevivência era o mais importante.
Folha - Depois de tanto fugir, o senhor ainda carrega alguma coisa da Alemanha?
Heller - Na verdade resta muita coisa. Minhas raízes na Alemanha são muito profundas.
Folha - O senhor acha que os neonazistas podem criar uma situação como a da década de 30?
Heller - Isso me parece, visto do exterior, um grupo isolado de extremistas sem uma maior ressonância. Espero ter razão.

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