São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 1997
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Afinal, o que é projeto nacional?

RONALDO MOTA SARDENBERG

Em artigo sobre o futuro do Brasil, que escrevi juntamente com Edmundo Fujita, publicado na Folha (25/11/96), observei que eram crescentes os anseios expressados pelos mais diversos setores da sociedade por um projeto nacional consistente de desenvolvimento de longo prazo.
Por outro lado, também neste jornal, numerosos articulistas ilustres têm avançado receituários e proposto fórmulas para a elaboração de tal projeto, refletindo variados matizes de preocupação com o futuro do país.
Muitas dessas análises contêm uma dose implícita ou explícita de crítica a uma suposta inércia por parte do governo, o qual estaria deixando a sociedade à mercê dos caprichos da globalização. Por sua vez, outros analistas não menos ilustres combatem até a idéia de esboçar diretrizes de longo prazo, como uma perigosa e inútil recaída de dirigismo estatal passadista.
Nessas condições, quem deveria orientar o debate em torno de um projeto nacional -o governo, a sociedade ou o mercado? E, afinal, o que é projeto nacional?
Argumentando por exclusão, indicaria primeiramente o que um projeto nacional não deve ser. Sua concepção não deve se basear em alternativas antagonizantes como Estado contra sociedade, livre mercado contra planejamento ou ainda competitividade contra equidade social. São estas categorias que conformam um mesmo todo e que necessariamente se complementam.
Igualmente, o patrocínio e elaboração do projeto não devem ser privilégio de determinado partido político, setor governamental ou segmento social, como se fossem depositários do apanágio da nacionalidade. Ademais, não cabe compartimentar a perspectiva -a visão- do projeto nem prendê-la demasiadamente às injunções da conjuntura, sob risco de recair a questão em estéreis debates faccionários.
Num mundo globalizado e num Brasil na plenitude democrática nem sequer se conceberia um projeto nacional de longo prazo de forma impositiva ou unilateral. Um simples ato de voluntarismo certamente não permitiria corrigir décadas -e mesmo séculos- de distorções socioeconômicas. Trata-se, antes de mais nada, de propiciar visões consensuais abrangentes, um ideário que mobilize o país em sua trajetória no próximo século, e não de traçar metas minuciosas e tecnocraticamente determinadas.
Assim, a discussão de um projeto nacional requer a participação não-excludente de todo o sistema político nacional -a começar pelos seus representantes no Congresso, intelectuais e imprensa, mas de modo a permitir que todos os cidadãos, tanto as elites quanto os marginalizados, as etnias, as regiões, os credos e os gêneros se sintam integralmente partícipes dessa empreitada.
À primeira vista, não parece tarefa fácil decantar desse processo uma proposta que contenha denominadores comuns consistentes e significativos. Na prática, contudo, as convergências em torno das metas estratégicas de longo prazo são muito mais marcantes, nesse tipo de discussão, do que as divergências sobre medidas tópicas de alcance imediato. Em última análise, todos almejamos o bem do Brasil, independentemente de ideologias globalizantes, particularismos ou idiossincrasias pessoais.
Não se trata, portanto, de circunscrever a discussão às políticas específicas para este ou o próximo governo. O horizonte deve ser temporal e espacialmente mais amplo, para que facilite a todos os nós a apreensão do fluxo e do sentido da história. E é certo que, para articular um projeto nacional, é imprescindível tomar em conta o entorno regional e internacional. Trata-se, sem dúvida, da própria identificação das melhores formas de inserção do país num mundo de aceleradas transformações.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos estará concluindo nas próximas semanas os primeiros esboços de cenários alternativos com que o país poderá se deparar por volta do ano 2020, com vistas a informar uma discussão em âmbito nacional sobre o futuro desejado pela sociedade brasileira.
Nos meses à frente, se iniciará um trabalho de consulta aos diversos segmentos sociais, econômicos, políticos e acadêmicos. Seu resultado será a preparação de material de base para um amplo exercício acerca de um projeto nacional em bases democráticas e não sectárias, aberto aos mais variados setores da sociedade.
É importante que se faça esse esforço conjunto de reflexão sobre o perfil do Brasil das próximas décadas, de forma a procurar extrair um vetor consensual a indicar o rumo futuro do país. Sem constituir uma panacéia para as disfunções de curto prazo que ainda afligem o país, um projeto nacional -conscientemente escolhido e sustentado pela cidadania- constituiria farol de longo alcance e amplo espectro a orientar a nau Brasil pelos mares bravios do próximo século.
Seu facho serviria para iluminar tanto o piloto ("kybernetes" -raiz grega, de onde derivou o termo latino "gubernator") quanto a tripulação e os passageiros através de águas talvez mais seguras, por entre as irmãs monstruosas Cila, das correntezas da globalização, e Caribdis, dos escolhos da fragmentação.

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