São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 1997
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Bokassa, o esclarecido

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Texto antigo do atual presidente da República, ao tempo do governo Collor, alertava contra as medidas provisórias que, a seu ver, representavam ameaça ao processo democrático.
Era de se esperar que, uma vez no poder, o crítico de Collor tivesse outro comportamento. Ele foi o primeiro a esquecer o que havia dito.
Cada vez mais está sendo notada a tendência imperial do presidente. Agora mesmo, a propósito da decisão do STF sobre o aumento dos servidores civis, ele confunde Brasil com a sua própria pessoa.
Aliás, qualquer crítica ao presidente é considerada uma falta contra a nação. Pouco a pouco, em sua cabeça e na cabeça de seus áulicos, nação e FHC são uma coisa só. É assim que começam as ditaduras, esclarecidas ou não.
Há duas formas de instalar uma ditadura: pela força e pela lei. César ao atravessar o Rubicão, e ameaçar Pompeu, e Napoleão no 18 Brumário são os exemplos clássicos da ditadura pela força. Hitler deu o melhor exemplo de como empolgar o poder pela lei, ouvindo apenas a voz rouca das ruas -e como eram roucas as vozes que ele ouvia clamando por uma Alemanha acima de tudo. E a Alemanha era ele.
A truculência revelada pelo governo no episódio da emenda da reeleição revela o dedo do gigante. Assim como alterou a Constituição em seu próprio benefício, e já legislando por meio das medidas provisórias, FHC pode promover uma reforma colocando a Justiça como simples aparelho de reverência aos atos do Executivo. Sempre, é claro, a favor do Brasil, da nação, do povo -representados por sua pessoa.
Esse filme já foi visto centenas de vezes ao longo da história. O imperador Bokassa, quando recebeu a coroa de ouro e o telegrama do presidente da França felicitando-o pela investidura, declarou-se um déspota esclarecido: conservava o fígado de seus adversários na geladeira, para comê-lo em dias de festa cívica.

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