São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Um título pelos outros

JANIO DE FREITAS

A roubalheira de dinheiro público já constatada pela CPI dos Precatórios é muito maior do que o presumido no início das investigações, mas são numerosos os indícios de que ainda falta muito, é provável que a maior parte mesmo, para que sejam dimensionados o roubo e o esquema que o vinha realizando.
Não há como acreditar, por exemplo, que um grupinho de pés-rapados se tornasse, de repente e sem relações políticas e financeiras para isso, operador de títulos de dívida emitidos por secretarias estaduais e municipais de Fazenda, que eram usurpadas em altas quantias nas operações fraudulentas.
O risco que a CPI corre é o de não se mostrar à altura do que tem pela frente e submeter-se, tal como aconteceu com a CPI do Orçamento, a conveniências políticas do pior tipo. Até que ouvisse, a meio da semana, um depoimento equivalente a uma jazida de patifaria e escândalo, a CPI dos Precatórios estava voltada, sobretudo, para objetivos de política estadual. Senadores catarinenses querendo atingir o governador peemedebista do seu Estado; o peessedebismo procurando fisgar Maluf e Pitta, o relator sempre dando sentido político a tudo.
O desperdício farsante em que acabou a CPI do Orçamento está voltando à tona com o próximo julgamento de José Carlos Alves dos Santos, o ex-assessor da Câmara. Mas julgamento só pela acusação de assassinato da sua mulher. Porque, mesmo tendo confessado, para os ouvidos e vistas do país inteiro, que dava às fraudes sua contribuição de técnico e que recebia muito dinheiro do deputado João Alves e outros, José Carlos Alves dos Santos está livre de consequências penais pela participação nas fraudes do Orçamento. E, para tentar livrar-se também da acusação final, já gravou vídeos atribuindo o crime, sem revelar provas, a ex-parlamentares.
Se ficar limitada a instrumento de política de grupos, e ainda por cima provinciana, a CPI dos Precatórios reproduzirá a dos "anões". Ou seja, mais uma vez ficará relegada a investigação das responsabilidades do Banco Central em mais esse imenso esquema de fraudes financeiras. Os golpes aconteciam pela participação integrada de "empresas financeiras" registradas no BC. E, portanto, sujeitas à fiscalização que jamais aconteceu, como inexistiu qualquer fiscalização do mercado que indicasse alguma anormalidade com os títulos de dívidas autorizados pelo próprio BC.
E as origens verdadeiras do esquema de fraudes, não precisam ser buscadas? Os senadores da CPI ouvem o dono de uma empresa que lhes revela, só por despreparo medroso, um aperitivo espantoso da fraudulência e de alguns envolvidos. Mas de onde veio esse Ibrahim Borges Filho para cair no meio de uma fonte de milhões fáceis? Bem, era vendedor autônomo. Vendedor, ao menos, de títulos financeiros? Não. De cosméticos. Não consta, apesar disso, que tenha suscitado inquirição, para não dizer investigação, sobre seu pulo súbito para dono da empresa IBF Factoring, sem empregados, que nada tem com cosméticos e muito tem com os milhões obtidos pelo esquema.
Além do dono, também a empresa ficou aquém do interesse investigativo. Ou os senadores não sabem, ou preferiram não lembrar, que o nome IBF Factoring sugere outras empresas também chamadas IBF (de Indústria Brasileira de Formulários, a primeira delas), com graves envolvimentos em operações financeiras e mercantis que resultaram em descobertas, inquéritos e processos daqueles, inclusive na Receita Federal. O dono das IBF é o Hamilton Lucas de Oliveira que comprou a TV Manchete e foi obrigado a devolvê-la aos Bloch, com novas e maiores dívidas, porque comprou, usou, mas não pagou. Já os milhões do sinal, aliás, ilustravam um cheque sem fundos.
Se a CPI dos títulos estaduais e municipais acabar como a do Orçamento, com muitos foguetes e pouco iluminando os desvãos da roubalheira engravatada, terá o mérito de ser mais uma contribuição oficial para que o Brasil mantenha o título, reafirmado na Europa há poucas semanas, de maior corrupto entre os países ditos em desenvolvimento.

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