São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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O profeta JKG

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na primeira metade do século 20 ainda existiam grandes economistas que eram, também e às vezes principalmente, pensadores, filósofos e profetas. Keynes foi o maior exemplo, mas havia ainda Schumpeter, von Haeyk, Sraffa. Tornaram-se "clássicos" entre os próprios contemporâneos.
Mas o pós-guerra foi estéril dessa perspectiva. Praticamente nenhuma idéia nova surgiu, os economistas assumiram de forma quase generalizada a condição de tecnocratas, a formalização tornou-se mais importante que a relevância.
Mas em 1967 surgiu um livro que teve a ousadia de quebrar os cânones, valorizando a macrovisão histórica e apontando tendências tão relevantes e universais que mesmo a academia teve de aceitar um novo herege em seu panteão: John Kenneth Galbraith.
Ele escreveu muitos livros, antes e depois de "O Novo Estado Industrial". Mas esse foi o seu clássico, sua obra de síntese (foi publicada no Brasil pela coleção "Os Economistas", Nova Cultural).
Galbraith dizia, há 30 anos, coisas que o financista George Soros afirma agora como grande novidade. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, há três semanas, Soros alertava para as insuspeitadas semelhanças entre comunismo e capitalismo.
Em "O Novo Estado Industrial", Galbraith alerta para uma característica crucial do capitalismo contemporâneo, a separação entre propriedade e gestão.
As grandes empresas concentram enorme poder, mas é um poder difuso em grandes organizações, cujos administradores podem ser tão burocráticos e autoritários quanto eram os mais empedernidos "aparatchiks" da "nomenklatura" soviética.
Gesner de Oliveira, hoje dirigindo o Cade (e portanto tentando lidar com os poderes monopolistas privados), escrevia na apresentação da edição brasileira: "Assim, ao invés da propalada oposição entre uma suposta 'economia de mercado' e uma economia planificada do tipo soviético haveria, na realidade, uma convergência entre os dois sistemas".
O capitalismo venceu e o comunismo naufragou, dirão. Mas basta olhar as estantes da área de negócios em qualquer boa livraria do mundo, hoje, para perceber que tem ocorrido uma avalanche de best sellers com mil receitas para enfrentar a burocratização das grandes empresas. Os empresários estão hoje atolados no mesmo paradoxo sublinhado por Galbraith. A empresa capitalista, que deveria ser o espaço privilegiado do liberalismo e da sujeição às leis do mercado, é mais frequentemente uma organização onde o poder e a burocracia criam cotidianamente barreiras contra o crescimento.
No coração do sistema econômico mais individualista da história, Galbraith redescobriu, e denunciou, as armadilhas do poder coletivo e os fantasmas da organização.

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