São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 1997
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Olha lá Brasil!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Deng Xiaoping viveu 92 anos sonhando com uma nação fundada em um sistema misto: capitalismo econômico e estatismo político.
Na era Xiaoping (1978-97), a China cresceu muito. Mas a história terá de provar a viabilidade de construir uma economia livre em um regime sem liberdade. Os desafios são imensos. Vejam o que ocorre no campo da alimentação.
A produção agrícola da China, depois de Xiaoping, passou de 200 milhões para 350 milhões de toneladas de grãos por ano. Um feito notável. Porém, nos últimos anos, desacelerou-se -enquanto que a população cresceu.
No ano 2000, que está aí, a China terá 1,3 bilhão de habitantes, com um bom poder de compra -fruto de um crescimento econômico acelerado. No curto período de 1992-96, a economia chinesa cresceu 65%! É um fato espantoso.
Vem aí, portanto, uma colossal avalanche de novos consumidores, que começarão por comprar alimentos. Os chineses de hoje comem apenas um quilo de carne de vaca e três quilos de carne de frango por ano, enquanto que, para citar o outro extremo, os americanos comem 42 e 44 quilos, respectivamente (Lester Brown, "Who Will Feed China?", 1995).
Para o ano 2000, os chineses fixaram uma meta anual de consumo de 200 ovos por pessoa (hoje são cerca de 120). Para alimentar seus 1,3 bilhão de habitantes, a China consumirá 260 bilhões de ovos por ano. Considerando-se que uma galinha de alta produtividade bota 200 ovos, a China precisará de 1,3 bilhão de galinhas: uma para cada chinês.
Só para alimentar essas galinhas, o país necessitará de um adicional de 24 milhões de toneladas de grãos -um terço da produção brasileira. É um número bombástico. E, quando se considera a necessidade total de grãos, a demanda chinesa vai superar a casa das 400 milhões de toneladas/ano! Tudo é monumental na China.
Devido a limitações de solo, topografia e água, a agricultura chinesa não tem como atender a nova demanda. A China vai importar grãos de forma desesperada, para satisfazer 1,3 bilhão de consumidores melhor aquinhoados.
Uma previsão desse tipo causa pânico no mercado mundial. Uma coisa é certa: se a oferta não aumentar, haverá uma explosão de preços de alimentos em esfera planetária.
Xiaoping morreu. Resolveu muitos problemas. E deixou outros. Um deles constitui uma grande chance para o Brasil. Para tanto, precisamos começar já.
Entre nós, a agricultura tem sido levada na base do curto prazo. Isso precisa mudar. A agricultura é mais do que uma âncora verde. É a saída para o Brasil enfrentar a crise do emprego e elevar substancialmente o padrão de vida da população. O mundo de hoje exige que pensemos grande porque os problemas e as oportunidades também são grandes.

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