São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 1997
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Kenneth Branagh se desnuda em "Hamlet"

JEANNE WOLF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ser ou não ser Hamlet nunca foi uma dúvida para Kenneth Branagh, 37, não depois do momento em que, quando garoto, em Belfast, vislumbrou pela primeira vez o príncipe da Dinamarca num programa do dr. Kildare na TV.
A interpretação de Richard Chamberlain para Hamlet o deixou intrigado, e aos 15 anos Branagh assistiu à peça no teatro, protagonizada por Derek Jacobi.
Mais tarde, o envolvimento tornou-se uma obsessão de Branagh pela monumental peça de Shakespeare, que culminou em uma épica tradução de "Hamlet" para a tela, que ele estrela e dirige.
"Acho que todo o processo de fazer meu filme era uma resposta a ter sido apanhado, como muitas pessoas já foram, em uma espécie de momento hamletiano em minha própria vida", diz Branagh.
"Você vive seus 20 anos furiosamente e pensa que qualquer coisa é possível. Subitamente, quando passa dos 30, começa a dizer a si mesmo: 'Acho que estou ouvindo um relógio tiquetaqueando'. Você compreende que não vai viver para sempre. E começa a se fazer perguntas. Isso deriva diretamente da pergunta de Hamlet em seu famoso monólogo, 'Ser ou não ser' ".
A resposta de Branagh foi perseguir obstinadamente sua visão de uma versão filmada integral para "Hamlet", com um orçamento insignificante de US$ 18 milhões. O "Hamlet" de Branagh tem quase quatro horas de duração, e ele não se desculpa por isso.
"Não acrescentei nada a Shakespeare. Simplesmente coloquei na tela tudo que ele colocou na página. Eu certamente não estava tentando fazer um filme longo por gosto. Eu acredito de fato que é mais fácil acompanhar a peça em sua versão integral. As montagens reduzidas tornaram-se uma espécie de 'Grandes Sucessos de Shakespeare', com as cenas e falas mais famosas espremidas."
Outra surpresa é um elenco bastante eclético que varia de veteranos shakespearianos como Derek Jacobi e John Gielgud a comediantes americanos como Billy Crystal e Robin Williams.
Quanto à sua interpretação do personagem-título da peça, Branagh vem aperfeiçoando sua abordagem ao famoso papel desde que primeiro atuou como o melancólico príncipe, enquanto estudava na Royal Academy of Dramatic Art.
Mais tarde, representou Hamlet numa produção dirigida por Derek Jacobi, voltou a fazê-lo para a BBC, no rádio, e, mais recentemente, numa versão integral da peça aclamada pela crítica, montada pela Royal Shakespeare Company há três anos atrás.
"Quando interpretei Hamlet para Derek, eu era muito frenético", diz Branagh. "Acredito que meu desempenho se tenha aprofundado à medida que envelheci e me tornei, talvez, mais sábio. Este é um papel ao qual se pode voltar muitas vezes, sempre descobrindo algo novo."
"Na realidade, é mais fácil interpretar Hamlet para o cinema", continua. "Quando se produz a peça em versão integral no teatro, o trabalho é incrivelmente desgastante. Há muito diálogo e muita correria pelo palco."
Entre as idéias provocantes que Branagh emprega em seu "Hamlet" está um retrato muito explícito, em flash-back, do romance entre o príncipe e Ofélia, interpretada por Kate Winslet. "Eu acho que Shakespeare teria aprovado", diz, sobre as cenas de amor em que ambos atuaram nus. "Ele era um garoto levado. Havia muitos trocadilhos sobre os órgãos sexuais e os desejos sexuais em suas peças."
Winslet ri quando perguntada como foi filmar as cenas tórridas com Branagh nu. "Foi muito engraçado", diz, "porque, é claro, Ken estava dirigindo também. Nos atracávamos na cama e aí ele pedia licença para olhar o material."
Para Branagh, a chance de trazer sua visão sobre "Hamlet" às telas era compensação suficiente para a exigências de longas horas de trabalho e um orçamento baixo.
"Quando você interpreta Hamlet, você tem que se desnudar", afirma Branagh. "Com sorte, você consegue se manter distante da masturbação pública, mas se expõe muito em frente à audiência. Expõe seus pensamentos íntimos, seu senso de humor, sua paixão. Acho que é por isso que as pessoas vão ver peças de Shakespeare tantas vezes. Elas tocam suas vidas".
Para ele, é essa compreensão de que pessoas comuns são tocadas por um dramaturgo cujo trabalho resiste há séculos que o tornou o principal intérprete de Shakespeare para as audiências modernas.
"Um sujeito me parou na rua outro dia", sorri. "Ele era negro, mas poderia ser qualquer pessoa. Ele disse: 'Sr. Branagh, a cada vez que me sinto mal, alugo uma cópia do seu 'Muito Barulho por Nada', assisto e melhoro de humor'. Isso é algo que Shakespeare teria entendido perfeitamente."
Branagh se detém para considerar se as demandas de dirigir e fazer o papel principal simultaneamente eram pesadas demais. "Houve dias em que eram", dá de ombros. "De fato, a pior coisa foi lidar com as cenas épicas de inverno. Não havia neve, de modo que produzimos alguma, que o vento carregava para todo lado. Tive de coreografar centenas de extras perseguindo a neve fugitiva".
"Aí, veio um dia em que nevou de verdade", ri. "Estávamos almoçando e vimos a neve caindo, e eu disse: 'De pé, todo mundo, temos que aproveitar isso'."

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