São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 1997
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Ex-líder do CCC emperra venda de teatro

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma ação popular movida pelo ex-líder do extinto CCC (Com ando de Caça aos Comunistas), o advogado João Marcos Monteiro Flaquer, está emperrando a recente venda do teatro Ruth Escobar.
A Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp) adquiriu o imóvel, no centro da cidade, em setembro de 96 por R$ 5,5 milhões.
Um mês depois, pagou R$ 2 milhões à antiga proprietária -a Dinâmica, empresa da atriz e ex-deputada estadual Ruth Escobar.
Conseguiu o dinheiro junto à Telesp, que o cedeu sob a forma de patrocínio cultural e poderá abatê-lo do Imposto de Renda, usufruindo da Lei Rouanet.
O pagamento dos outros R$ 3,5 milhões se dará em 12 parcelas.
No último dia 14, a Justiça decidiu bloquear o negócio. Deferiu liminar que obriga a Apetesp a efetuar os futuros pagamentos em juízo, até que se esclareça a regularidade da compra.
A determinação -que partiu de Mairan Gonçalves Maia Júnior, juiz da 17ª Vara Federal de São Paulo- acolheu ação popular promovida por três advogados.
Um deles, João Flaquer, chefiou o CCC nos anos 60. O grupo paramilitar, que recebia treinamento do Exército, se opunha à esquerda e "à subversão".
Em julho de 1968, cometeu seu ato mais ruidoso. Espancou um contra-regra e 19 atores da peça "Roda Viva", que tinha texto de Chico Buarque e direção de José Celso Martinez Corrêa.
A agressão aconteceu justamente no teatro Ruth Escobar, onde o espetáculo estava em cartaz. Cento e dez homens -70 civis e 40 militares, todos armados- participaram do quebra-quebra.
A confusão durou rápidos três minutos. Os militantes do CCC esperaram a sessão terminar e o público sair. Só então apagaram as luzes e invadiram os camarins à caça do elenco, que incluía Rodrigo Santiago e Marília Pêra.
Aproveitaram para espatifar cadeiras, cenário e equipamentos. Ruth Escobar, produtora da peça, não presenciou a pancadaria.
No dia 17 de julho de 1993, Flaquer revelou à Folha que planejou e liderou o ataque. Classificou-o de "ato patriótico".
"Foi um gesto cultural", disse. "Queríamos realizar uma ação de propaganda para chamar a atenção das autoridades sobre a iminência da luta armada, que visava à instauração de uma ditadura marxista no país."
O alvo não poderia ser melhor: "Roda Viva" procurava afirmar o poder da arte diante da repressão.
À época do ataque, Flaquer completara 25 anos. Hoje, tem 53 -e um escritório na avenida Paulista.
O advogado moveu a ação popular em parceria com os colegas Abdiel Reis Dourado e Roberto Beneduce de Faria Coimbra. Os três condenam a participação da Telesp na venda do teatro.
Sustentam que a companhia telefônica, sociedade anônima controlada pelo Estado, fez "cortesia com chapéu alheio, à custa de milhares de pequenos poupadores".
Defendem, ainda, que "a operação cheira a pagamento de favores políticos passados", numa alusão à velha amizade entre Ruth Escobar, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro das Comunicações, Sérgio Motta.
Quando acolheu a ação popular, o juiz da 17ª Vara destacou que há "fortes indícios de superfaturamento" no valor do teatro e que o contrato com a Telesp firmou-se sem licitação, "em desrespeito ao comando constitucional".
Para o magistrado, existem "flagrantes indícios de malversação do dinheiro público".
Por causa da liminar, a Apetesp terá de depositar as futuras parcelas do pagamento em uma conta da Caixa Econômica Federal, que estará à disposição da Justiça.
Os depósitos só poderão cessar quando totalizarem o montante gasto pela Telesp, acrescido de juros e correção monetária.
A retenção fica valendo até que se julgue o mérito da ação, o que levará no mínimo dez meses. Se a Justiça concluir que a venda do teatro esconde irregularidades, o dinheiro retorna à Telesp.
"Não tenho nada contra dona Ruth Escobar. A invasão é coisa do passado. Faz parte de uma conjuntura política totalmente extemporânea", disse Flaquer ontem.
O advogado ressaltou que "não confunde atitudes profissionais com ideologias ultrapassadas".
"Ninguém pense que o CCC voltou", prosseguiu. "Movi a ação popular por dever de cidadania."

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