São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
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Brasil e Argentina testam o câmbio

CELSO PINTO

Enquanto o Brasil multiplicou por três, no último ano, a venda interna de papéis indexados ao dólar, para investidores preocupados com uma desvalorização cambial, a Argentina está conseguindo vender, com sucesso, em Londres, bônus em pesos para investidores internacionais.
Em janeiro, a Argentina surpreendeu muitos ao oferecer no mercado londrino 500 milhões de pesos em bônus da República, por um prazo de dez anos. Era um teste da credibilidade da política cambial argentina: afinal, quem comprasse o papel estaria apostando que a cotação de um peso por um dólar será mantida intacta na próxima década.
Foi um sucesso. A demanda superou em mais de duas vezes a oferta, e o papel acabou saindo a 11,75% de rentabilidade ao ano. Na semana passada, a CEI Citicorp Holdings, uma subsidiária argentina do Citicorp (portanto, um risco argentino), repetiu a dose. Numa colocação de US$ 500 milhões em papéis, uma parcela, de US$ 175 milhões, foi em pesos argentinos, prazo de dez anos. Pagou menos do que a República: a rentabilidade ficou em 11,25% ao ano.
O Brasil, ao contrário, tem aumentado aceleradamente a colocação de papéis denominados em dólar. A razão é clara: quem tem dívida em dólar (cada vez mais bancos e empresas) e teme que possa haver uma guinada na política cambial, procura se proteger (fazer "hedge") comprando papéis em dólar, ou comprando posições em dólar no mercado futuro.
O salto é impressionante. Em janeiro do ano passado, o total de papéis do governo com correção cambial em mãos do mercado era de US$ 6,2 bilhões. Hoje, um grande banco de investimentos estima o total em mais de US$ 21 bilhões. Só neste ano, o governo colocou US$ 7 bilhões e resgatou US$ 1,7 bilhão, ou seja, colocou liquidamente US$ 5,3 bilhões. Quanto maiores os déficits da balança comercial e o temor com a área externa, maior tem sido a demanda por esse tipo de papel.
Antes da crise de 94, o México passou por um processo semelhante: como precisava de dinheiro, e os investidores estavam com medo de uma desvalorização (que acabou vindo), o governo começou a vender títulos denominados em dólares, os Tesobonos. Eram títulos de prazo mais curto (3 meses) do que as últimas colocações brasileiras (6 meses), mas, no mercado financeiro, a disposição recente do Banco Central fez muitos analistas lembrarem o caso mexicano.
Como se explica o comportamento tão distinto de Brasil e Argentina?
Ao lançar papéis em peso, a Argentina está testando a credibilidade de sua política cambial e pagando um prêmio por isso. A colocação de janeiro saiu 1,7 ponto percentual ao ano mais cara do que papéis argentinos de prazo equivalente emitidos em dólares. No mercado de dívida, uma diferença deste tamanho é muito significativa.
Se, por alguma razão, nos próximos dez anos, a Argentina acabar desvalorizando a moeda acima desse prêmio, perde o investidor e ganha o governo. O fato de a Argentina ter tido tanta demanda revela tanto a recuperação do prestígio argentino quanto a situação de enorme liquidez do mercado, ávido por papéis.
Já o Brasil, ao emitir papéis internos em dólares, está assumindo o risco cambial. Se fizer uma desvalorização mais forte, o prejuízo será do governo, e o ganho, dos investidores.
Se o governo tivesse colocado papéis em reais, o custo seria, hoje, equivalente ao Selic, ou cerca de 21% ao ano. Os últimos papéis em dólares foram vendidos a pouco mais de 11%. Isso quer dizer que, a menos que a desvalorização cambial nos próximos 12 meses supere 8,7%, o governo fez um bom negócio emitindo em dólares, e não em reais.
O BC está dizendo exatamente isso: se o mercado quer comprar títulos em dólares mais baratos, nós ofereceremos. No fundo, o governo está aumentando o preço de sua aposta básica, de que será possível financiar os déficits crescentes nas contas externas, neste e no próximo ano, sem mexer na política cambial.
Quanto mais o BC emitir papéis em dólares, mais será sócio dessa estratégia: se for obrigado a mudá-la, será o maior perdedor.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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