São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 1997
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Argentino revive romance histórico

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

O romance histórico, moda no século passado durante o romantismo, ressurgiu como o grande sucesso de vendas na América Latina no final do atual século.
Um dos best-sellers do gênero deve chegar neste mês ao Brasil: "A Saga do Marrano", do escritor argentino Marcos Aguinis, com 250 mil exemplares vendidos.
A receita de misturar personagens históricos e fictícios reacendeu com "O General em Seu Labirinto", de Gabriel García Marquez, livro que conta os últimos dias do libertador Simón Bolivar. Atualmente, as editoras encomendam e recomendam aos escritores de renome que produzam algo do gênero, calculando os lucros com as vendas.
Na Argentina, o romance histórico recebeu impulso em 91 com "A Saga do Marrano".
Um exemplo disso é que a ficção de maior vendagem no verão argentino é "O General, o Pintor e a Dama", de Maria Esther de Miguel, que conta a relação entre o general argentino Justo José de Urquiza, do pintor de suas batalhas, o uruguaio Juan Manuel Blanes, e uma dama da aristocracia local.
Judeus na América
"A Saga de Marrano" conta -com alguns personagens fictícios secundários- a história real de Francisco Maldonado da Silva, cristão-novo que reassume o judaísmo e é condenado à morte na fogueira pela Inquisição, em 1639, na cidade de Lima.
"A obra causou impacto porque trata de temas da atualidade. A novela histórica gera um cumplicidade engraçada entre autor e leitor: os dois fazem uma viagem turística por um tempo e espaço diferente, mas percebem que são as mesmas coisas que acontecem agora", diz Aguinis.
O personagem principal do romance nasceu em 1592, dentro uma família de judeus portugueses que vai para o Brasil, passa pelo Peru e depois se instala na Argentina -sempre fugindo da perseguição da Inquisição.
Quando ele tem nove anos, seu pai e irmão são presos, mesmo tendo se convertido ao catolicismo. Francisco se forma médico, se casa com uma católica no Chile, mas reassume sua religião original. Isso faz com que ela seja preso e levado para Lima, onde permanece nas masmorras por 13 anos.
Por vários anos, interrogatórios e torturas, ele alega sua liberdade de crença frente ao tribunal. Assim, a Inquisição não podia matá-lo porque ele não se dobrava.
Finalmente, em 1639, depois de fomentar uma rebelião na prisão, ele é queimado com outros 60 membros da comunidade judia de Lima no maior auto-de-fé ocorrido na América Latina.
"A maior parte dos defeitos latino-americanos vem do tempo colonial. Lá, encontramos com a matriz do autoritarismo de século 20", afirma Aguinis.
Segundo ele, o livro demandou um trabalho de pesquisa histórica grande, com viagens a Lima e a Santiago.
"Paradoxalmente, o romance por meio da mentira nos dá maiores porções de verdade. Porque há uma aproximação regada de emoção", afirma Aguinis. Para ele, escrever e ler sobre personagens antigos não é um forma de escapismo. "Essa moda se deve a que o público deseja cada vez mais conhecer melhor sua identidade."
Aguinis acredita que houve uma evolução no gênero. "Se deixou de lado o idealismo e a ingenuidade, como nas obras de Walter Scott. Hoje, não queremos construir heróis e sim tirar o bronze e o mármore de suas estátuas."
Livros com idéias Na atualidade, o romance histórico substitui a literatura fantástica como gênero preferido pelos autores latino-americanos. "A novela fantástica se escrevia quando não havia liberdade. Então se inventava lugares para falar de fatos presentes. Era a fórmula do escritor para não parar na cadeia."
Por causa do excesso de idéias por trás da sua literatura, as obras de Aguinis se parecem com as de Aldous Huxley.
Aguinis, 61, dividiu sua atividade como escritor com a de ensaísta, psicanalista e até se aventurou na política -durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-89) foi seu secretário de Cultura. "Politicamente, foi uma experiência agridoce. Como escritor, colhi muitas impressões para meus livros."

Livro: A Saga do Marrano
Autor: Marcos Aguinis
Lançamento: Scritta
Preço: a definir (486 pgs.)

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