São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 1997
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Lições do escândalo

MAILSON DA NÓBREGA

O escândalo das obscuras transações entre órgãos públicos e pouco conhecidas instituições financeiras mostra como ainda estamos longe de atingir padrões éticos e temor à lei próprios das sociedades mais evoluídas.
No Brasil, sob o véu da impunidade, espertalhões no governo e no setor privado ainda podem conluiar-se facilmente para dilapidar o patrimônio da sociedade em seu próprio benefício.
É verdade que nenhum sistema político está isento de corrupção nem há processo de fiscalização bancária imune à fraude. Vejam-se os recentes casos envolvendo políticos na Europa e bancos ingleses e japoneses.
A corrupção tampouco é característica do setor público. Fala-se agora em grande escândalo na indústria automobilística alemã, abrangendo esquema de cobrança de comissões para o fechamento de contratos de fornecimento de autopeças.
A corrupção é maior no setor público em face de sua vasta intervenção, que ainda permanecerá expressiva mesmo depois da reforma do Estado. A concessão de benefícios sociais, incentivos fiscais e subsídios continuarão com seu potencial de bandalheiras.
A corrupção costuma valer-se da chance de permanecer encoberta, principalmente quando utiliza complexas operações financeiras. Daí o grande esforço dos governos para coibir a lavagem de dinheiro proveniente dela e do tráfico de entorpecentes.
Como diz o criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho, "ao contrário do homicídio, cuja ocorrência é quase sempre revelada pelo encontro de um cadáver, o ato de receber vantagens indevidas se desenvolve, em regra, à míngua de testemunhas".
O escândalo atual impressiona por sua ousadia. Nas barbas da transparência oriunda da estabilidade econômica e da liberdade de imprensa, seus autores não recearam em saquear, deixando os rastros da falcatrua.
A facilidade com que o Senado passou a acolher pedidos de endividamento dos Estados e municípios, mesmo contra o parecer do Banco Central, contribuiu para criar o ambiente propício à fraude e ao desperdício.
Antes de 1988, competia ao Senado "autorizar empréstimos, operações ou acordos externos, de qualquer natureza, de interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, ouvido o Poder Executivo Federal" (Constituição Federal, artigo 42, inciso IV).
A nova Constituição manteve a regra e estendeu sua abrangência para as autarquias e empresas estatais (artigo 52, inciso VII), mas eliminou a necessidade de manifestação do governo federal.
Resoluções do Senado previram a hipótese de ouvir-se o Banco Central, mas apenas a título de informação. No passado, o parecer contrário equivalia a denegar o pedido.
A nova regra nasceu do clima favorável ao fortalecimento do Poder Legislativo prevalecente na Assembléia Constituinte. Era natural. Havia a necessidade de redefinir suas atribuições após o fim do regime militar.
A contrapartida da ampliação da autonomia do Senado no assunto deveria ter sido o maior preparo para escrutar as propostas e redobrada responsabilidade para decidir. Não foi, infelizmente, o que aconteceu.
Ministro da Fazenda nessa transição, lembro-me da ânsia em aprovar resolução mais liberal, compatível, dizia-se, com a nova realidade. Os alertas do Poder Executivo foram vistos como reações de tecnocratas à perda inevitável de seus poderes.
De lá para cá, em vários casos, o endividamento foi autorizado mesmo diante do parecer técnico em contrário. Noutros, o interessado foi diretamente ao Senado, que o atendeu sem qualquer manifestação do Banco Central.
Seja como for, louve-se a determinação do Senado em investigar o escândalo, com a colaboração do Poder Executivo. Por meio de ações desse tipo e da exemplar punição dos envolvidos podem nascer as melhorias institucionais destinadas a prevenir sua repetição.
O trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito -que deve ter o cuidado de evitar injustiças- resultará por certo no aprendizado de valiosas lições para o governo e para o Congresso, duas das quais deveriam servir para reformular regras e atitudes.
Primeira: a opinião contrária do Banco Central não significa diminuir os poderes do Senado nem a autonomia dos Estados e municípios. Segunda: o voto deve ser dado à vista dos estudos do processo e não da troca de favores políticos entre senadores.

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