São Paulo, segunda-feira, 3 de março de 1997
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Filme mostra fuga geracional para Paris

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um mergulho em um tempo que parece, hoje, uma alucinação. O cineasta brasileiro Rogério Sganzerla, ao lado de uma equipe de roteiristas e produtores baianos, prepara-se para reencontrar o Brasil da contracultura -ou da contramão- em "Velas ao Vento", seu mais novo projeto.
Após se dedicar à vida e à presença do cineasta Orson Welles (1915-1985) no Brasil -ele esteve aqui em 1942 para filmar "Tudo É Verdade"-, que lhe rendeu uma trilogia composta de "Nem Tudo é Verdade" (1986), "Tudo é Brasil" (em finalização) e "Signo do Caos", um trabalho ficcional ainda em preparação, agora o diretor pretende uma mudança de rota.
A convite do cineasta Lula Wanderhausen, Sganzerla reviverá o momento em que um jovem descontente com os padrões, costumes e situação política no Brasil de 1968 parecia ter apenas duas escolhas: a luta armada ou a "alegria, alegria" das comunidades hippies, do artesanato e do LSD.
"'Tudo é Brasil' está em fase de montagem", disse Rogério Sganzerla, 50, à Folha . "Já estamos no quinto rolo. A nossa intenção é colocar o filme em festivais ou no circuito das TVs educativas."
Segundo o cineasta, "o projeto com o Lula Wanderhausen pode ser bem instigante. Pode ser até mais do que isso. Pode acontecer uma coisa revolucionária."
O enredo do filme é baseado em quatro histórias do escritor Luiz Afonso Costa, de seu livro "Cavalo de Santo", lançado em janeiro pela editora Relume Dumará (R$ 16, 172 págs.).
"No final dos 60, e início de 70, as coisas estavam voltadas para a experimentação, e as pessoas se espalhavam pelas praias de Mangue Seco e Canoa Quebrada, na Bahia, num cenário de barracas, adotando os lugares como casa", disse à Folha o baiano Afonso Costa, 45.
"A escolha estava entre a luta armada e a vida alternativa", disse o escritor. "E a segunda escolha era tão perigosa quanto a primeira, pois ninguém sabia onde ia dar."
Segundo Costa, "os contos fornecem, e o filme dará, uma visão de dentro, pois todas as pessoas envolvidas em 'Velas ao Vento' tiveram essa mesma vivência. Hoje, os jovens parecem estar muito comportados."
Paris
"Velas ao Vento" contará a trajetória de dois amigos que, na eterna dúvida sobre se a responsabilidade na vida adulta é mesmo necessária ou não, decidem que tudo pode ser resolvido se conseguirem partir para Paris.
Descobrem então que um navio ancorado no litoral da Bahia seguirá para a Europa. Mas, quando conseguem chegar ao lugar, uma decepção acontece. O barco já zarpou e os dois terão de esperar 15 dias até que outro retorne. É o momento para um balanço.
Dividido em três fases -"Bahia e França", "Fase Mística" e "O Momento Atual"-, o trabalho pretende conduzir os atropelos desses personagens até 98 e contar, de maneira alegórica, o destino de uma geração que tinha atração quase doentia pelas "viagens", não importando de que tipo.
"O filme agora está em seu momento de captação de recursos", disse Sganzerla. "Com roteiro de Edgar Navarro e Francisco Drumond na produção, o projeto está orçado em US$ 1,5 milhão."
"Nossa intenção é começar as filmagens no segundo semestre de 97", fala Wanderhausen, que é o autor do argumento e participa da elaboração do enredo.
1968
Para Sganzerla, 1968 foi também um ano mítico, das arriscadas invenções com seu "O Bandido da Luz Vermelha", uma espécie de bandeira para o cinema marginal (experimental) que acontecia na chamada boca do lixo.
Esse era nome dado a região central de São Paulo que abrigava o prostituição, o tráfico de drogas, a bandidagem -e a criatividade cinematográfica de nomes como Carlos Reichenbach, Ozualdo Candeias e Andrea Tonacci (autor de "Bang Bang").
Nas palavras do próprio Sganzerla à época, esse cinema seria uma estética da mais pura e completa "colagem de chanchada e grossura, teatro de revista e programa de auditório. Cafonice".
O cineasta prosseguiria com essa mesma proposta em "A Mulher de Todos", um ano depois, "Sem Essa Aranha", de 1970, e outros tantos filmes ao longo de uma carreira pontuada por conflitos com companheiros e extensos períodos de silêncio.
O que não se altera no seu percurso é o anseio por um trabalho distante das convenções. Na verdade, é fruto de seu fascínio pela maneira pela qual Orson Welles via o mundo e o cinema.
Cinema careta
"Eu acho que não deveria haver ufanismo nesse tal renascimento dos filmes brasileiros", disse Sganzerla. "De qualquer maneira, acho importante hoje manter qualquer tipo de produção. Das mais arrojadas às mais caretas."
Segundo ele, "disso pode aparecer muita coisa boa. As pessoas parecem estar descobrindo a necessidade da preparação, parecem estar atentas ao fato de que o diálogo é importante", disse Sganzerla.
Para o cineasta, "é necessário abrir o leque, assim como se faz no jornalismo cultural moderno. Por vezes, é preciso trocar as fontes."
O cineasta Rogério Sganzerla -e "Velas ao Vento" pode ser um resumo disso- tem um imenso desejo de ser fiel ao seu passado. Com a clara ambição de permanecer agarrado ao futuro.

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