São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997
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As duas missões da CPI

CELSO PINTO

Para que a CPI dos precatórios não acabe em pizza, não basta apenas punir os culpados. É preciso identificar a causa das maracutaias e mudar o que for preciso para evitar que elas se repitam. Até porque algumas das fraudes já produziram escândalos anteriores.
Existem duas grandes famílias de maracutaias na CPI. A primeira é a forma ilegal com que Estados e municípios emitiram o que não podiam, falsificaram assinaturas e usaram o dinheiro indevidamente. A outra surge depois da emissão dos títulos e vai desde comissões e deságios escandalosos, até a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal dos lucros.
Em relação à primeira família de maracutaias, ficou claro que tanto o Senado quanto o Banco Central deveriam mudar os procedimentos e o rigor com que são examinados pedidos de emissão de títulos. Sugestões nesse sentido vão desde a idéia de FHC, relatada pela jornalista Dora Kramer, de proibir qualquer emissão de títulos estaduais e municipais, até propostas na CPI para acabar com o regime de urgência na aprovação e dar maior peso aos pareceres do Banco Central.
Em favor da sugestão do presidente, é bom lembrar que a história mostra que o destino desses títulos tem sido o mesmo dos bancos estaduais: depois de os Estados usarem e abusarem do dinheiro, vem a inadimplência e o governo federal providencia um resgate.
Em relação à segunda família de maracutaias, a do mercado, uma lição está clara. Os lucros estratosféricos obtidos por intermediários só foram possíveis porque as emissões não tiveram transparência, nem na escolha dos agentes, nem na venda dos papéis.
Tome-se o exemplo de Santa Catarina. O presidente da Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F), Manoel Felix Cintra Neto, que também é do Banco Multiplic, acompanhou de perto o processo. Na época, seu banco, como vários outros bancos, tinha interesse em investir em alguns títulos estaduais. Santa Catarina, depois de um esforço anterior para sanear as finanças e melhorar a imagem, parecia um risco razoável.
Cintra lembra que seus operadores, no Multiplic, calcularam como um preço justo (e generoso) de mercado para os papéis de Santa Catarina, na época (final do ano passado), algo em torno de 20% acima da taxa dos Certificados de Depósito Interbancário (CDIs).
Na verdade, contudo, o papel acabou sendo colocado por Santa Catarina a uma remuneração equivalente a CDI mais 42%, o dobro do que o mercado avaliava como razoável. Se havia no mercado bancos, como o Multiplic, dispostos a comprar papéis de Santa Catarina a CDI mais 20%, porque não o fizeram diretamente?
Aí entra o vício de origem. Cintra lembra que o edital da venda dos papéis de Santa Catarina foi publicado como um pequeno anúncio num jornal, um dia antes da venda. O mínimo que se pode dizer é que, se Santa Catarina queria ter o maior número possível de interessados na compra de seus papéis, certamente essa não foi a melhor opção.
O resultado é que os papéis saíram a CDI mais 42% para o intermediário, que conseguiu realizar seu lucro, mais tarde, repassando os papéis por uma remuneração muito menor. É claro que, tanto nesse como em outros casos, pode ter havido incompetência, má-fé ou roubo no esquema. Cabe à CPI e às autoridades apurarem.
De todo modo, uma maneira simples de reduzir as chances de isso se repetir no futuro, lembra Cintra, seria obrigar que qualquer venda de papéis estaduais e municipais se faça, sempre, num mercado formal acessível a todos, como as bolsas de valores.
O preço da Vale A decisão sobre o preço para venda da Vale será tomada amanhã pelo Conselho Nacional de Desestatização, mas os parâmetros já estão dados. Dois consórcios avaliaram a empresa para o governo: um deles fixou o preço entre US$ 7,7 bilhões e US$ 9,7 bilhões, conforme as hipóteses usadas. O outro, entre US$ 8,9 bilhões e US$ 11 bilhões.
O que o governo tem em mente é algo entre US$ 10 bilhões e US$ 11 bilhões. Não se quer fixar um preço alto demais, que desestimule a concorrência na compra. O preço não ficará longe do valor atribuído pelas bolsas, mas não será guiado por ele: poderá ser até um pouco menor.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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