São Paulo, terça-feira, 4 de março de 1997
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Os precatórios e o mercado - 3

LUÍS NASSIF

Há três momentos na vida de um papel. A emissão primária -quando é efetuada sua venda no mercado. A colocação secundária -quando o papel muda de mão em mão, dentro da volatilidade que caracteriza o mercado financeiro. E a venda final, quando o papel é adquirido por uma instituição, que o coloca definitivamente em carteira.
Os problemas só ocorrem quando há diferenças entre o preço de compra e de venda dos títulos estaduais. Se um papel vale 100, por exemplo, haverá problemas se o Estado resolver vender por 80; ou se um comprador final topar pagar 120. As operações intermediárias servem apenas para encobrir a operação principal.
A emissão primária é de responsabilidade exclusiva do emissor, o Estado ou município. É esse que define o preço inicial e aceita ou não as propostas de mercado.
A compra final do papel é feita por bancos (para seus fundos de investimentos), fundos de pensão ou seguradoras. É deles a responsabilidade pelo preço final do papel.
O primeiro passo para identificar onde estão os problemas é definir qual o preço de mercado dos títulos estaduais.
Preço de SC
No caso de Santa Catarina, o papel saiu mais caro e chegou mais barato no final da linha.
Quem perdeu o quê?
A Secretaria da Fazenda informa que no dia 21 de outubro do ano passado fez comunicado oficial, pela "Gazeta Mercantil", para leilão que iria ocorrer no dia 22.
Segundo a secretaria, não apareceu nenhum comprador. No dia 23 começaram a aparecer interessados, oferecendo taxa Selic mais 0,70% a 1%.
O Estado decidiu vender à Selic mais 0,50%, ou 0,64% incluindo a comissão do comprador -e usou três ou quatro referências de mercado, como a taxa cobrada pela Gerof (do Banco do Brasil) para financiar os títulos paulistas.
Na ponta final, houve compradores que pagaram 0,30%.
O que permite essa diferença é a falta de um mercado organizado. Em geral esses títulos rodam por pequenas instituições. Só quando vêm à tona é que suas cotações passam a ser transparentes para o mercado.
Mesmo assim, bancos que compraram os papéis fizeram bons negócios para seus clientes. Em geral, são os que têm os fundos mais rentáveis do mercado.
(O caso paulista discrepa porque o próprio município vendeu e comprou papéis iguais por preços diferentes, no mesmo período, realizando prejuízo.)
Mercado sem risco
E aí entra outra distorção do mercado.
Em geral há uma composição entre risco e rentabilidade, que permite ao mercado agir equilibradamente. O risco funciona como limitador do excesso de ganhos.
Mas qual o risco dos papéis estaduais?
O administrador de um banco -que não aplica muito em estaduais- explicou à coluna que foge dos papéis por causa do risco. E permanentemente tem de explicar a seu conselho porque seu fundo rende menos do que os que aplicam em estaduais.
Em contrapartida, o administrador de um fundo que aplica em estaduais diz que nunca, dos anos 70 para cá, ocorreu um só caso de perda com estaduais.
Não apenas isso. Como o BC não dispõe de mecanismos eficientes de interferência no mercado, volta e meia recorre a grandes bancos para ajudá-lo a apagar incêndios e financiar instituições em dificuldades. E essa ajuda minimiza ainda mais seus riscos. Como é que o BC vai permitir que instituições que cumprem papel institucional de auxiliares da autoridade monetária morram com "micos" de estaduais na mão?
Todos esses elementos têm de ser levados em conta para que a CPI não signifique apenas catarse ou plataforma eleitoral de candidatos. Mas que contribua para mudanças estruturais no mercado brasileiro.

Email: lnassif@uol.com.br

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