São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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Coerência na política de importação

JOSÉ CARLOS GANDINI

A importação brasileira de autoveículos sempre foi considerada como a grande vilã do comércio exterior brasileiro e a grande culpada pelo crescente déficit na balança comercial. Nesse cenário, tornaram-se de menor importância as discussões sobre exportar ou se os produtos brasileiros estão sendo prejudicados por preços internacionais em queda ou por barreiras não-tarifárias impostas.
A realidade dos fatos é outra, e o fato de a importação de autoveículos representar apenas 3,90% do global em 1996 demonstra claramente que a participação das importações de autoveículos (montados e em CKD) em muito pouco vem contribuindo para o crescente déficit comercial.
É de observar, no entanto, que no número citado não são consideradas as importações de autopeças, pelo diferencial tributário existente entre as compras pelas montadoras instaladas ou a se instalar ("newcomers") e pelos importadores associados à Abeiva.
Se considerarmos as importações de petróleo e derivados, no mesmo período, constata-se que estas, de uma participação de 21,07% em 1990, reduziram-se para 5,19% em 1995, subindo para 6,49% em 1996.
Estes, sim, foram sempre o grande vilão da balança comercial brasileira, pois, na década de 80, até 1985 estiveram sempre num patamar superior a 40% do total, permanecendo até 1990 numa média de 21%. Nesse período, enquanto o mundo inteiro adotou como moeda comercial o "tecnodólar", o Brasil continuou com o desgastado "petrodólar" e a reserva de mercado.
É necessária, então, tanta pressão sobre os veículos importados, por meio de variações de alíquotas e imposição de cotas tarifárias?
Não seria mais justa e oportuna ao Brasil a elaboração de uma política industrial clara e objetiva, de forma a dar condições à nossa indústria de acessar a tecnologia necessária já existente?
É previsível que, aos olhos de qualquer governo, a conta importação seja motivo de constante preocupação, especialmente quando a balança comercial está desfavorável. No entanto, em particular no caso brasileiro, o nó da questão está na exportação.
"Dinamizar as exportações é a agenda do ano", disse o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, em recente visita à Europa, ao lado do presidente da República, avalizando todas as premissas da política desenvolvimentista do país.
De fato, defender incondicionalmente a reserva de mercado, como o fazem as montadoras instaladas no Brasil, significa colocar o país na contramão da história. Se estamos entre as dez maiores economias do mundo, as atividades de comércio exterior devem ser firmes tanto na importação quanto na exportação.
Assim, o presidente da República está no caminho certo, ao protagonizar defesa incondicional dos produtos brasileiros no exterior; além de, no mercado interno, contar com as importações como mecanismo regulador, até porque o Brasil precisa sustentar os índices inflacionários no patamar dos países desenvolvidos, ou seja, de apenas um dígito por ano.
Foi dentro desse enfoque que o presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana do Carnaval, refutou na Inglaterra qualquer possibilidade de mudanças bruscas do câmbio, para não comprometer a taxa inflacionária anualizada, cuja projeção para este ano é de 7%. E, com isso, forçar o setor exportador brasileiro a adquirir maior competitividade, tanto na qualidade de seus produtos como nos preços. Mas, de outro lado, para alcançar esse grande objetivo, o governo já sinalizou favoravelmente à criação de instrumentos efetivos de financiamento às exportações.
Em 96, as empresas filiadas à Abeiva importaram e colocaram na rede de concessionários 58.533 unidades, em sua grande maioria veículos utilitários (vans e furgões) e carros de luxo, sem similares ou superiores aos automóveis nacionais.
Na categoria de carros médios e compactos, o setor não consegue acompanhar o preço-público dos veículos nacionais. Embora sejam de qualidade superior, os importados enfrentam pesadas alíquotas de 63% ou 35%, dependendo ou não do sistema de cotas de importação.
Enquanto isso, o caro "popular" brasileiro -o básico- já está batendo na casa dos R$ 12 mil, seguramente 50% a mais que o preço anunciado por ocasião do governo Itamar Franco, quando foi lançado o programa do carro popular por, no máximo, R$ 8.000.
Por esses motivos, defendemos arduamente a liberação incondicional da importação de veículos automotores, que -sem dúvida- continua sendo o mecanismo mais eficaz de competitividade de preços, mas, sobretudo, de qualidade tecnológica. Porque, sem tecnologia e confiabilidade nos produtos, o Brasil também não alcançará seus objetivos de exportação.

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