São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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Artista remete a um mundo operário

DA REPORTAGEM LOCAL

Saint Clair Cemin falou à Folha sobre a relação da pintura e dos objetos do dia-a-dia e sobre a apropriação de outros signos artísticos.
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Folha - A referência explícita a objetos de uso cotidiano é uma forma de atingir mais diretamente seu espectador?
Saint Clair Cemin - Acho que incidentalmente é uma forma de atingir mais diretamente meu espectador. Mas acho que a origem dessa minha preocupação com objetos cotidianos não vem dessa necessidade, se bem que ela chegue a isso. Ela vem mais de uma pesquisa inicial de meu trabalho, quando cheguei à conclusão de que nos últimos séculos o paradigma da escultura era muito mais a pintura.
Mas a experiência humana de fazer objetos é uma experiência muito mais vasta e tem mais a ver com objetos de uso, com ferramentas.
Então procurei dirigir o meu trabalho nessa direção. O nosso mundo todo é tridimensional, e o paradigma para esse mundo tridimensional não é a pintura, mas o uso.
Então procurei fazer objetos que surgissem desse mundo de uso, mais do que do mundo de representação visual, como a pintura e a escultura tradicional.
Folha - Por que a referência a um universo operário e agrário?
Cemin - Essa é uma parte do Brasil que me é muito próxima. Minha família é de origem rural. Os primeiros anos de minha infância foram passados no campo. Esses objetos sempre me impressionaram. Tem uma escultura que parece uma enxada. Quando eu era menininho, uma enxada era quase do meu tamanho. Estou me referindo a objetos que eram míticos para mim, estranhos...
Folha - O fato de suas peças trazerem sempre signos de um artesanato, de um universo popular, não fez com que sua obra tivesse uma leitura errônea?
Cemin - Provavelmente, mas não é "errônea". São leituras corretas, embora contrárias às minhas idéias. Eu acho que trabalhar a matéria é uma forma de inteligência importante e que é rejeitada por causa de um elitismo e de uma certa tendência a entender o trabalho manual como uma coisa inferior. Isso é um absurdo.
Folha - Essa apropriação de signos artísticos, como a máscara de teatro greco-romana, os profetas de Aleijadinho, flertes com a arte conceitual, faz parte de uma característica pós-moderna de sua produção, de reutilização de elementos artísticos?
Cemin - Existe uma diferença fundamental entre o que eu estou fazendo e a noção de pós-modrnismo. O pós-modernismo utiliza elementos do passado de uma forma, eu diria, fria, paródica, distante. É como uma linguagem, como ir ao supermercado, comprar uma série de coisas, voltar para casa e fazer uma composição.
Quando eu utilizo elementos do passado, aliás, todos os elementos que uso são do passado, que pode ser muito distante ou muito recente. Esses elementos não são cópias ou utilizados friamente. Não copio nada, reinvento tudo. Qualquer coisa que eu utilize e possa lembrar o barroco, o grego, arte africana ou art nouveau, são elementos filtrados pelo meu inconsciente.
Folha - Existe humor em seu trabalho?
Cemin - Não tenho intenção direta de fazer humor, mas ele acontece espontaneamente. Muitas vezes eu faço justaposições de coisas que podem ser vistas de várias maneiras diferentes, acabam conduzindo a um certo tipo de humor, mas é mais um resultado que uma intenção.
Folha - Você sente saudades de algo antigo?
Cemin - Meu trabalho é só isso. É só saudade.

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