São Paulo, quarta-feira, 5 de março de 1997
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Cartão de visita

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nunca usei cartões de visita, mas andei pensando em fazer alguns. Depois do nome, colocaria a identificação: "O único jornalista brasileiro que não fez piada a respeito da ovelha clonada". Também evitei, até aqui, comentar a CPI dos Precatórios. São assuntos em alta. E eu fiquei na baixa.
Recebi cobranças para falar de um e de outro, mas resisti. Os dois temas são etapas de um processo que não começa com a ovelha Dolly nem com os doleiros que lavam dinheiro. No primeiro caso, é a pesquisa científica. No outro, é a impunidade política.
Deixo de lado a ovelha -padeço de torpor pastoral, a visão de um boi pastando me dá sono. Prefiro ficar com a CPI.
A moral política recomenda o arquivamento de qualquer escrúpulo ético desde que haja lucro no final. O exemplo vem de cima. Do presidente da República para baixo todos sabem que estão no mesmo barco. Nunca haverá uma CPI sobre o sistema financeiro ou sobre o financiamento das campanhas eleitorais.
Há uma lei não escrita, mas inscrita na testa de quem lida com o dinheiro público: tudo é permitido desde que nada seja descoberto. De tempos em tempos, a voracidade de um PC Farias ou de um João Alves compromete o esquema. Mas o organismo da corrupção cria autodefesas, isola ou descarta as células que bobearam, cicatriza a ferida. E o tecido que sobra se recompõe.
Daí que os corruptores dos anões do Orçamento e do esquema Collor-PC Farias continuarão submersos. O atual governo estabeleceu o primado do lucro, seja em forma de dólar para aqueles que querem pecúnia, seja em forma de mudança na Constituição quando o lucro pretendido é político.
Ninguém será besta de matar a galinha de ovos de ouro que, num caso, rende dinheiro, no outro, reeleição. E o pior é que... vou desistir mesmo dos cartões de visita. Pensando bem, nunca me fizeram falta.

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