São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997
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Espetáculo que marcou a desesperança de 1975 é revivido

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

Em 1975, o país ardia em desesperança. A censura impedia qualquer forma aberta de manifestação, e a música tornara-se o escoadouro natural para os sentimentos da rapaziada universitária da época.
No início do AI-5, a música ainda tinha conotação revolucionária, de esperança, seja nos versos marciais de Vandré ou na contestação estética do tropicalismo.
Em 1975, só restava o desalento. A censura havia abortado provisoriamente a linha evolutiva da MPB, representada pelo tropicalismo. O sonho da revolução, que iludira tantas cabeças generosas do meio estudantil, já não tinha espaço.
A música passou a exprimir esse clima desesperançado, cinzento, sem horizontes. Os shows de MPB, em ambientes fechados, tornaram-se o último território livre. As manifestações expressas de crítica eram proibidas. Contentávamo-nos com entrelinhas, pequenas peças nos censores e aquela solidariedade no desalento -sentimento muito sutil para ser captado pelo primarismo dos censores, mas tão forte que explodiu nas campanhas cívicas dos anos 80.
Há shows e músicas com o condão de expressar e refletir rigorosamente momentos na vida de países e pessoas. Em 1975, foi o show "O Importante É Que Nossa Emoção Sobreviva", de Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro e Márcia, no inesquecível teatro Tuca daqueles tempos -regravado agora e relançado no CD "Tudo o Que Mais Nos Uniu" (Velas).
Tripé musical
O show juntou três dos mais expressivos músicos da geração intermediária que sucedeu os grandes nomes dos festivais de meados dos anos 60, e que se juntaram em torno dos circuitos universitários e dos festivais organizados por Fernando Faro na TV Tupi.
Há uma infinidade de novos compositores que surgem no rastro dos festivais da Record, mas poucos talentos verdadeiramente genuínos -entre eles, Gonzaguinha, Renato Teixeira e Eduardo Gudin.
Embora fizesse menos sucesso, dos três, Gudin era melodicamente o mais completo. Casava uma linha melódica e harmonicamente complexa (mais perceptível aos especialistas, porque sem firulas) com um talento verdadeiro para o violão.
Nos diversos galhos genealógicos em que se desdobra a música brasileira durante os anos 70, aliás, Gudin pertence à estirpe rara dos filhos de Baden Powell. Rara porque tendo como pré-condição um domínio sobre o violão bem mais amplo do que os quatro acordes exigidos da multidão dos clones de Chico Buarque e Geraldo Vandré (apesar da qualidade musical individual dos dois).
Grandes letristas
Ao lado de Vinicius, Vandré e, de certo modo, Aldir, Paulo César Pinheiro é um dos raros letristas da música brasileira que criou um estilo de composição, ao qual se subordinaram quase todos os parceiros.
A terceira parte do tripé é a cantora Márcia, que se torna o grande nome da canção intimista da época -como legítima sucessora de Maysa.
Seus primeiros sucessos foram "Eu a Brisa", de Johnny Alf, e "Ronda", de Paulo Vanzolini. Depois, algumas das músicas que constam do CD -como "Veneno", um dos grandes sucessos daquele ano.
Para os que não tiveram a oportunidade de viver aqueles tempos, o CD tem a oferecer pelo menos dez obras-primas não datadas no tempo. Entre as quais "Veneno", "Verde", "Desperdício", "Lá Se Vão Meus Anéis", "Consideração", "Roda de Samba", o choro "Pensamento", "A Velhice da Porta-Bandeiras" e "Mãos Vazias".
E-mail: lnassif@uol.com.br

Show: Tudo o Que Mais Nos Uniu
Artistas: Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro e Márcia
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 011/871-7700)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 15 (usuários), R$ 13 (usuários com carteirinha) e R$ 7,50 (comerciários e estudantes)

Disco: Tudo o Que Mais Nos Uniu
Artistas: Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro e Márcia
Lançamento: Velas
Quanto: R$ 18 (em média)

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