São Paulo, terça-feira, 11 de março de 1997 |
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Universidade e pesquisa
JOSÉ MARTINS FILHO Com a internacionalização da economia e o fácil acesso aos pacotes tecnológicos, não faltará quem ache dispensável desenvolver pesquisa no país.A idéia pode vir em sequência daquela que já foi soprada em alguns círculos do poder, tímida, mas perigosamente: a de que, face à heterogeneidade do complexo universitário brasileiro, e sendo a pesquisa uma atividade cara, o melhor seria distribuí-lo desde logo em universidades que ensinam e pesquisam (poucas, como se sabe) e universidades que se dedicariam exclusivamente ao ensino (a maioria), desobrigadas estas, em definitivo, de qualquer esforço científico ou tecnológico. Mesmo que se tome a primeira idéia por absurda, e a segunda, por mera carta de intenção, o assunto é grave o bastante para que se coloque no papel o significado disso. Em primeiro lugar, erram os que imaginam que a destinação prioritária da ciência e da tecnologia seja o sistema de produção de bens e serviços, importadores naturais de pacotes tecnológicos. Embora essa vinculação seja desejável e mesmo, em muitos casos, indispensável, o primeiro compromisso da pesquisa universitária é com a geração de conhecimento novo e com a transmissão desse conhecimento às salas de aula, o que só é possível com a detenção de saber próprio e a qualificação científica progressiva de seus professores. Este é, naturalmente, o fator que marca a diferença qualitativa entre as universidades que pesquisam e as que não o fazem. Enquanto as primeiras têm sempre a possibilidade de alargar as fronteiras do conhecimento estatuído -não raro atraindo os próprios alunos para o interior dos laboratórios-, as demais contentam-se com transmitir o conhecimento bibliográfico consagrado, que, como se sabe, anda atrasado de uns bons anos em relação ao conhecimento corrente. Não por acaso é sobre a pesquisa que se estrutura todo o sistema de pós-graduação. No Brasil, sua fecundidade pode ser demonstrada pela expansão do número de teses produzidas. Contudo é preciso ter em conta que, das 2.000 teses de doutoramento realizadas por ano no país, não menos de 80% saem do eixo São Paulo-Rio (quando, nos EUA, apesar de sua ciclópica produção de 200 mil teses, nenhuma universidade ultrapassa o milheiro anual). Essa distorção se deve, sem dúvida, à inapetência da maioria de nossas instituições universitárias pelo investimento em pesquisa e, em segundo lugar, à falta de uma política de estímulo nesse sentido. Chegar ao extremo de estimular o oposto, isto é, a renúncia definitiva à tarefa -reconheçamos que espinhosa- de produzir alguma espécie de saber autônomo, seria aprofundar as desigualdades e abrir um fosso tão grande a ponto de dificultar a simples interlocução entre umas e outras. Nada lucraria o país com isso. O objetivo -delineado, aliás, em documento recente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras- é, ao contrário, perseguir a homogeneização gradativa da produção científica, o que só se fará dotando-se as instituições emergentes de capacidade para tal. A qualificação dessas instituições é possível a partir de redes de intercâmbio efetivo, em que as universidades mais experientes e mais bem aparelhadas, num processo que permitiria nichos regionais de produção acadêmica, tutelassem o desenvolvimento de projetos temáticos de pesquisa e de programas conjuntos de pós-graduação. É certo que isso se conseguirá somente a partir de um esforço programático de ajuda mútua e de aproximação das qualidades, não do aprofundamento das diferenças do sistema. Mas é preciso não somente esforço; é indispensável também a convicção. Texto Anterior: A investigação na CPI dos Precatórios Próximo Texto: ERRAMOS Índice |
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