São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 1997
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CPI dos títulos públicos: o joio e o trigo

FERNANDO DAMATA PIMENTEL

A CPI dos títulos públicos tem mobilizado a atenção da imprensa e da opinião pública nas últimas semanas. Três conclusões mais imediatas já podem ser tiradas.
1) Houve precatórios judiciais. A Constituição autoriza a emissão de títulos públicos por Estados e municípios, mas unicamente com a finalidade de pagar os precatórios existentes até 1988. Assim, incorreram em crime de responsabilidade os administradores públicos que abusaram da autorização constitucional.
2) O pedido de emissão dos títulos passou pelo Senado e pelo Banco Central com valores muito superiores aos efetivamente inscritos como precatórios pelos tribunais de Justiça dos Estados envolvidos, o que comprova a fragilidade da estrutura de fiscalização.
3) O processo de colocação desses títulos no mercado financeiro evidencia a existência de esquemas lesivos ao erário público, com intermediações remuneradas muito acima do que seria razoável e com remessa clandestina desses valores para contas bancárias no exterior.
Essas são -até agora- as afirmações que se podem fazer com segurança.
Tudo isso é muito grave, exige apuração completa e punição exemplar para aqueles que tenham comprovadamente infringido a lei. Mas o risco que o Legislativo federal corre é, por excesso de zelo de alguns ou por interesse eleitoral de outros, misturar o joio e o trigo. E o joio, convenhamos, é bem fácil de separar, quando nada porque está visível e é pouco.
De fato, há apenas três Estados (Alagoas, Santa Catarina e Pernambuco) e quatro municípios (São Paulo, Osasco, Guarulhos e Campinas) envolvidos na questão, entre os 27 Estados e 5.506 municípios que compõem a federação brasileira.
Um número tão reduzido leva à pergunta inevitável: por que os demais não quiseram usar a permissão constitucional? Não é razoável imaginar que nos demais Estados e pelo menos nos municípios das capitais inexistiam precatórios a ser pagos. Como explicar adesão tão baixa ao recurso dos títulos?
A verdade é que a operação era, desde sempre, extremamente onerosa para os cofres públicos. Veja-se o caso de Santa Catarina: a colocação dos papéis custou CDI mais 42% ao ano, o que equivalia, quando do lançamento, a quase 90% ao ano de remuneração total.
Ora, com um custo tão alto, por mais desesperadora que fosse a situação do Estado ou município, só gestores muito imprudentes se arriscariam a emitir os títulos.
Lembre-se que a Prefeitura de Goiânia, à época dirigida pelo petista Darci Accorsi, chegou a obter autorização do Senado para a emissão, mas não a utilizou por considerá-la um mau negócio: "Com as taxas oferecidas, íamos tomar R$ 8,3 milhões e pagar R$ 19 milhões em menos de quatro anos. Ninguém sério pode achar isso um bom negócio" -palavras textuais à imprensa do então secretário de Finanças daquele município.
A mesma atitude teve também o governador do Espírito Santo, Vitor Buaiz, que se recusou a embarcar na canoa furada oferecida pelos bancos hoje denunciados como integrantes do esquema.
Em síntese: a imensa maioria dos administradores municipais e estaduais do país não cometeu a imprudência de utilizar o expediente do pagamento de precatórios via emissão de títulos. Por que então puni-los, como agora propõe o deputado Moreira Franco, com a proibição definitiva de emitir títulos públicos, em qualquer circunstância? Não há nenhuma razão lógica para que tal proposta seja levada a cabo.
Fazê-lo inviabilizaria uma nova alternativa, regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional em maio/96, que é a colocação de papéis de Estados e municípios no mercado externo, sem o aval da União. Os recursos assim obtidos têm seu uso limitado ao refinanciamento de dívidas internas já existentes. A possibilidade que se abre é a de "trocar" dívida contratada internamente com juros altos por outra, externa, com juros bem mais baixos.
Essa é uma saída possível para Estados e municípios que, embora sufocados pelo garrote dos juros elevados, demonstrem boa capacidade de pagamento e baixo risco para o investidor.
O único município que usou tal linha de crédito foi o Rio de Janeiro. Mas várias outras capitais já se movimentam nessa direção. As que conseguirem passar pelo apertado crivo dos investidores internacionais merecem a recompensa do alívio em suas contas.
Esse alívio redundará, com certeza, em sobra de recursos para investimentos nos centros urbanos, melhorando a condição de vida dos contribuintes, que, vale sempre lembrar, habitam e demandam serviços de fato nos municípios, não no Estado ou na União.
Por tudo isso, bom serviço presta o Congresso ao país sendo absolutamente rigoroso na CPI ora em curso. Mas cuidando sempre de separar o joio do trigo, para que, afinal, não acabem os justos pagando mais caro pelos erros dos pecadores.

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