São Paulo, domingo, 16 de março de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Julieta do "mangue beat" encena Ariano Suassuna
NELSON DE SÁ
A peça é a adaptação para o palco de um poema que o autor e hoje secretário da Cultura de Pernambuco recolheu, ainda nos anos 50, no interior do Ceará. Dirigida por Romero de Andrade Lima, é uma versão da tragédia shakespeariana (ou das histórias do italiano Matteo Bandello, que é anterior a Shakespeare e é citado no cordel), mas com uma moralidade toda própria do sertão, segundo Suassuna. No enredo, o amor de Romeu por Julieta não é tratado com o romantismo juvenil de Shakespeare, mas como uma traição à família, o que é inaceitável para a cultura que gerou o poema, aliás, de autor desconhecido. Romeu é abertamente censurado no texto, que foi publicado na íntegra pelo Mais!, dois meses atrás. A moralidade do sertão e a firmeza do projeto estético de Suassuna, que retoma com a montagem o movimento Armorial dos anos 70, agora chamado Romançal, são respeitadas pelo jovem elenco de "Romeu e Julieta". Mas eles, ao contrário do dramaturgo, não vêem contradição entre o respeito à arte popular mais legítima, como preconiza o movimento Armorial e agora Romançal, e o gosto pelo mangue beat. É o que gostam de ouvir. "Nas festas só rola mangue beat", diz Flávia Lacerda, atriz na peça. E mais: a Julieta que vai à cena hoje, Karina Buhr, é ela própria integrante de uma banda de mangue beat de nome Eddie, além de participar, com os músicos do Mestre Ambrósio, de outra banda pernambucana, o Boi da Gurita Seca, que sai no Carnaval. Lembram neste sentido que Antônio Nóbrega, o multiartista que está ao lado de Ariano Suassuna desde o princípio do movimento Armorial, iria sair no bloco Pancada do Ganzá junto com Chico Science, no último Carnaval. Mas a peça, ainda que dirigida por um Romero de Andrade Lima que também tem gosto por Chico Science e seguidores, não traz influência direta, formal, da explosão musical ocorrida em Recife, nos anos 90. Nas músicas escolhidas pela diretora musical Renata Mattar estão peças medievais, como "Pastorelle", e populares, como "Desgraçadas Violetas" -esta sugerida por Suassuna, que lembrava da música sendo cantada por sua mãe, quando era pequeno, na Paraíba. Nada de guitarra. Julieta, percussionista na banda Eddie, em "Romeu e Julieta" toca rabeca, um violino popular. A única apresentação de "Romeu e Julieta" no festival acontece hoje, mas houve confusão quanto a horário e local. Prevista inicialmente para o meio-dia, foi transferida para as 19h, pois a encenação é toda de velas. Também não se trata de teatro de rua, o que deixa dúvida sobre a localidade da apresentação, não esclarecida pela produção do festival até o fechamento desta edição. O espetáculo, depois de Curitiba, tem projeto ainda pendente para realizar duas apresentações em São Paulo e outras duas em Ouro Preto (MG), além de uma excursão com um circo pelo interior de Pernambuco. Junto com "Romeu e Julieta", a Trupe Romançal de Teatro (nome do grupo que, além da direção de Andrade Lima, sobrinho de Suassuna, conta com a cenografia de Dantas Suassuna, filho do dramaturgo), apresenta "O Auto do Rico Avarento", mostrado ontem no festival. O movimento Romançal, que segue os mesmos preceitos do movimento Armorial dos anos 70, de valorização da cultura popular e da busca de sua fusão com a arte erudita, conta também com uma companhia de dança e outra de música, todas baseadas em Recife. Texto Anterior: 'No Alvo' mostra finitude humana Próximo Texto: Organização cancela peça canadense Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |