São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Os bichos mutantes do Brasil

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

1997 ficará na história da biotecnologia mundial graças à ovelha Dolly (o primeiro ser vivo clonado a partir de células de um indivíduo adulto), mas trata-se de um ano que também promete, em grau mais modesto, ser um marco na biotecnologia brasileira.
Nos próximos meses diversos projetos com animais e plantas transgênicos -alterados com genes de outros organismos- começarão a ser tocados em centros de pesquisa e estações experimentais em vários pontos do país.
Já existem experimentos aprovados com plantas transgênicas que estão iniciando o cultivo, e laboratórios das principais universidades do país pretendem passar a produzir, ou usar, animais de laboratório transgênicos em breve. Em geral são camundongos para pesquisa, mas há quem já pense em partir para bovinos ou caprinos geneticamente modificados com características úteis.
Enquanto boa parte do mundo discute iniciativas legais para coibir eventuais abusos dessas novas tecnologias, o Brasil inicia a nova fase das pesquisas com uma legislação recente e abrangente (lei 8.974 e decreto 1.752, de 95). A legislação criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a quem cabe analisar o pedido de grupos de pesquisa e de empresas relacionados com seres criados por engenharia genética.
Não há ainda nenhum pedido oficialmente aprovado pela CTNBio para uso de animais transgênicos em laboratório. "Nenhum laboratório no país está credenciado para trabalhar com animais transgênicos", diz Rodolfo Rumpf, membro da comissão e pesquisador do Cenargen (Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia), órgão da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
O próprio Cenargen, diz ele, pretende iniciar a produção de clones de animais em 97 ou 98. Não se trataria de clones exóticos como Dolly, mas sim uma versão mais tradicional -a partir de embriões resultantes da junção consagrada de óvulo com espermatozóide.
Existem vários cientistas brasileiros que já trabalharam com animais transgênicos no exterior. Foi o caso de Joaquim Mansano Garcia, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, da Universidade Estadual Paulista, que trabalhou na Universidade de Montreal (Canadá) com camundongos transgênicos.
Mansano quer voltar a estudar com esse animal e, eventualmente, usar as técnicas também em bovinos. Seu laboratório já está equipado para fazer fertilização in vitro ("de proveta") de bovinos. Estudar a resistência desses animais a doenças e, se possível, incorporar genes benéficos ao gado, é um dos objetivos das pesquisas.
Para compensar essa inexistência de animais mutantes, já foram aprovados três pedidos para cultivo de plantas com genes estranhos.
A empresa Monsanto do Brasil, por exemplo, quer testar soja modificada com um gene que confere tolerância a glifosato, ingrediente ativo do herbicida comercializado como Roundup.
A empresa, com sede em São Paulo, pediu inicialmente para testar a soja em uma estação experimental em Ponta Grossa (PR) e depois incluiu também uma área em Goiatuba (GO), região mais adequada ao cultivo de soja. O objetivo da pesquisa é obter soja resistente a doenças como o cancro da haste e a "mancha do olho de rã".
Outra planta transgênica a ser cultivada em solo brasileiro este ano é o milho com material genético adicional vindo de uma bactéria que o tornaria capaz de resistir à broca do colmo. Esse milho, cujo plantio foi solicitado pela Sociedade Agrícola Germinal, também de São Paulo, deve ser plantado em uma estação experimental em Uberlândia (MG). Outro milho "engenheirado" geneticamente deve ser plantado pela Hoechst Schering em sua estação de Cosmópolis (SP). Trata-se de uma linhagem que incorpora um gene que confere resistência ao herbicida glufosinato de amônio.
Nenhuma dessas plantas têm o mesmo sex-appeal de Dolly e os delírios de Hitlers ou Einsteins de proveta que foram igualmente clonados pela mídia mundial. Mas elas são o presente, ou o futuro próximo -o arroz com feijão da pesquisa. Por sinal, plantas de feijão modificadas para se tornar resistentes a um herbicida também estão sendo pesquisadas no apropriadamente nomeado Centro Nacional de Pesquisa de Arroz e Feijão, da Embrapa.

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