São Paulo, domingo, 16 de março de 1997
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Só Vilhena desafia reinado de Witte Fibe

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jornalismo da Rede Globo passou por várias mudanças na última semana. A operação consistiu, basicamente, na redistribuição das principais apresentadoras dos telejornais. Foi um troca-troca intenso, desses que o telespectador demora alguns dias para assimilar.
Mônica Waldvogel foi para o "Jornal Hoje"; Sandra Annenberg acumulou as funções de apresentadora e editora-executiva do "Jornal da Globo"; Fátima Bernardes, em férias até o fim do mês, vai dividir a apresentação do "Fantástico" com Pedro Bial; Salete Lemos, ex-SBT, estreou fazendo comentários econômicos e reportagens no "SPTV".
Muitas mudanças, quase nenhuma novidade, não fosse a estréia de Carla Vilhena, que saiu da Bandeirantes contrariada e estreou apresentando o "SPTV - 1ª Edição" com uma segurança e uma desenvoltura que destoaram do resto.
Mas a grande vitoriosa dessa dança de cadeiras na Globo sintomaticamente não saiu do lugar. Lillian Witte Fibe continua lá, firme e sisuda, ao lado de William Bonner no "Jornal Nacional". Mais do que isso, o que se vê hoje na Globo é, com a licença da expressão pedregosa, uma espécie de "wittefibezação" das demais apresentadoras. E isso, salvo engano, pode melhorar o jornalismo da emissora.
Witte Fibe exerce já faz algum tempo uma função pedagógica na Globo. O que sempre incomodou nas quase adolescentes que a emissora escolhia para apresentar os telejornais era a mania incorrigível que tinham de sorrir sem parar para as câmeras, como se participassem de um desfile de moda ou estivessem fazendo teste para secretária-executiva de multinacional.
Em casa, bombardeados por aqueles sorrisos ostensivos de pasta dental, quase sempre acompanhados de notícias que nada têm a ver com a expressão das apresentadoras, temos vontade de dizer (e muitas vezes dizemos, feito idiotas): "mas, minha filha, tá rindo exatamente do quê?".
É essa síndrome de hiena que a ascensão de Witte Fibe veio esvaziar. Com sua voz firme e seca, sua expressão carrancuda, quando não francamente hostil, ela derrubou a idéia tola de que as mulheres devem desempenhar sempre a "simpatiquinha tipo exportação".
Quando sorri, Witte Fibe o faz quase como Monalisa, com o canto da boca. E seu sorriso geralmente sinaliza uma reprovação, indica uma ironia, como se ela dissesse em silêncio depois de alguma reportagem mal realizada: "mas quem foi o cretino que fez isso?".
Se Cid Moreira foi o porta-voz da Globo durante o regime militar e Alexandre Garcia deitou e rolou com suas gracinhas sem graça durante os anos aventureiros da malandragem collorida, Witte Fibe encarna como ninguém a jornalista da era FHC. Sua atitude lembra, aliás, a figura antipática e ao mesmo tempo sofisticada e discreta da primeira-dama Ruth Cardoso.
O perigo disso nós já conhecemos. Ao ser alçada à condição de primeira-dama da Globo e transformada em paradigma para as demais apresentadoras, Witte Fibe corre o risco de virar mais uma porta-voz do fernandismo. Seria um desperdício, mesmo porque a mídia já está saturada deles.
Nesse ponto, a sombra de Carla Vilhena é saudável. Ela é a única jornalista, pelos talentos que reúne, em condições de rivalizar com Witte Fibe. Queira ou não, na Globo já é dela o papel de superego contra a tentação do consenso.

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