São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 1997
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A CPI, o Latininho e a mídia

LUÍS NASSIF

A CPI dos Precatórios tem tudo para se transformar em divisor de águas para o mercado financeiro, para o Senado e para a imprensa -desde que todas as partes saibam agir com competência e critério.
Para o mercado, ao obrigar definitivamente o Ministério da Fazenda, a Receita Federal e o Banco Central a enfrentar problemas que vêm se arrastando há tempos -como os limites do sigilo bancário, operações fiscais em mercados futuros e por intermédio das contas CC-5, a insuficiência da fiscalização do BC e a falta de regulação nas negociações com títulos públicos.
Para o Senado, ao demonstrar a necessidade urgente de a Casa disciplinar os processos de endividamento das unidades federativas e de se aparelhar para melhor cumprir suas funções constitucionais.
O despreparo da Casa para tratar com temas complexos mostra que os cargos de assessores parlamentares têm sido utilizados muito mais para abrigar cabos eleitorais e parentes do que técnicos especializados.
Momento de reflexão
Para a imprensa, é o momento essencial para uma ampla reflexão sobre a questão da qualidade jornalística.
A imprensa tem papel institucional da maior importância dentro da vida de um país. Serve não apenas como fiscal de atos públicos e desaguadouro de reivindicações de setores da sociedade, mas principalmente como instrumento central de organização de idéias e de auxílio no diagnóstico dos grandes temas nacionais.
O episódio dos precatórios é tipicamente uma questão complexa, na qual se somam tecnicalidades com um enorme volume de informações soltas pelo ar e tratadas de maneira preguiçosa e superficial.
A opinião pública já evoluiu o suficiente para exigir qualidade na cobertura da imprensa, e não o exercício inconsequente da catarse, os tiros disparados a esmo, as acusações sem fundamento, a supervalorização de aspectos irrelevantes.
Busca da qualidade
Esse tipo de procedimento pode impressionar o público mais primário -da mesma maneira que o Latininho, o anão que se apresentou em um programa da TV Globo. Mas não pode, definitivamente, ser uma tendência geral; ainda mais na mídia impressa, que, por suas próprias características, tem de ser mais analítica e fundamentada.
No caso da TV Globo, no dia seguinte ao evento Latininho, o diretor Bonifácio de Oliveira deu ordens expressas para que não se repetisse o episódio.
É necessário que esse espírito se consolide no jornalismo. Temos de partir decisivamente para uma luta geral contra a má qualidade e os Latininhos que pululam nos noticiários. Há a necessidade de uma frente ampla contra o sensacionalismo barato, o desrespeito aos direitos de terceiros, as ofensas gratuitas, a preguiça de entender e explicar temas complexos.
Jornalismo torto
Nos últimos anos vigorou um modelo de jornalismo torto e superficial, no qual o sucesso profissional dependia da capacidade do jornalista de fuzilar pessoas, de praticar a intriga, de se comportar como Deus.
Apuro técnico, esforço em entender temas complexos, aprofundamento da reportagem, paciência de esperar pelo tema relevante e não sair fazendo carnaval em cima de qualquer bobagem, tudo foi deixado de lado.
É momento de rever esses valores e de a nova geração, que está entrando nas redações, ser pautada por critérios de ética e de qualidade -à altura do novo país, moderno, que a própria imprensa não se cansa de incensar.
A imprensa vai encontrar o caminho da qualidade quando amadorismos, falsas denúncias, falsas ênfases e informações incorretas passarem a ser elementos centrais na avaliação da carreira do jornalista. E quando se romper esse pacto de mediocridade pelo qual todos os jornais têm de se comportar da mesma maneira em relação aos fatos -para não serem furados ou para não remarem contra a maré.
Principalmente quando, jornais e jornalistas, nos dermos conta de que, mais do que a cobertura de um fato, estamos ajudando a moldar o próprio caráter nacional.
E esse caráter tem de se pautar pelo respeito aos direitos individuais, pela capacidade de ouvir todos os lados antes de firmar o julgamento e, só depois disso, pela intransigência em exigir as punições.

Email:lnassif@uol.com.br

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