São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997
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Menino-escritor rejeita rótulo de "gênio"

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele tem a cara que se espera de um menino prodígio: cabelos desgrenhados, óculos redondos de aro vermelho. Mas é só a cara.
O tênis de cano alto e a bermuda de skatista não deixam ninguém suspeitar que Gustavo Bolognani Martins, 14, já escreveu cinco livros, todos para crianças.
Publicou o primeiro aos 9 anos. O quinto, "A Arca de Noésio", está lançando no próximo sábado, pela Ateliê Editorial, com tiragem de 3.000 exemplares.
Desde que descobriu a literatura, perdeu o direito de habitar o "mundo dos normais". Mal se recorda de quantas vezes jornais e revistas o tomaram por "superdotado" e até por "cê-dê-efe".
"Não gosto que me rotulem assim. Sinto-me excluído. Fico parecendo um cara de outro planeta", confessa -para, em seguida, apontar o paradoxo:
"Se sou superdotado, preciso estudar menos que a maioria das pessoas, certo? Então, como é que podem me chamar de cê-dê-efe?"
Gustavo admite que possui, sim, "certa facilidade para o raciocínio lógico". "Mas, no futebol, não sou nem um pouco brilhante."
O time terminou o torneio com saldo negativo de 29 gols. "Pelo menos marcaram unzinho para me alegrar".
E "inteligência emocional", o menino tem? "Já ouvi falar, embora não entenda direito o que é. Se significa arranjar amigos e frequentar festas, posso dizer que quebro um bom galho em inteligência emocional."
Mas no amor, nem tudo são flores. Gustavo, por ora, está sem namorada. "Vivo uma fase ruim."
Típico adolescente de classe média, o jovem escritor mora numa casa de dois dormitórios em São Caetano do Sul (ABC paulista).
Costumava partilhar o quarto com Tomás, o irmão mais velho. De repente, "deu vontade de separar". Levou a cama para o escritório e passou a dormir lá.
Desejo de ser mais independente? "Não. Nunca tive esses conflitos existenciais. Saí do quarto porque o Tomás roncava."
Engana-se quem pensa que o garoto reserva muito tempo para escrever. De manhã, vai à escola (cursa a oitava série). Á tarde, estuda inglês e guitarra.
"Toco há um ano. Estou no estágio 'dá para enganar', conhece?" Traduzindo: já sabe dedilhar "Stairway to Heaven", o hit de 11 entre 10 guitarristas-mirins.
Também aprende japonês com a "vódrasta" Mikiko, segunda mulher de seu avô materno.
Às quartas-feiras, comanda o programa "A Hora do Lanche" na Rádio Vitrola FM, uma emissora comunitária de São Caetano.
Divide o microfone com o amigo Dennis. O lema da dupla é: "Mais música e menos falação. Até porque a gente não tem nada a dizer".
O programa -que ocupa a faixa das 15h às 17h- abre espaço para o rock do Nirvana, Ramones, Deep Purple e Titãs.
Entre uma "pauleira" e outra, os locutores arriscam "piadas infames". Exemplo: o que é um ponto amarelo no meio do mar? É um Fandango suicida. E quem vai salvar? Ruffles, a batata da onda.
"Guinness Book"
A carreira literária de Gustavo começou em 92, quando o garoto fez três redações escolares com temas propostos pela professora.
O pai -Plínio Martins Filho, diretor editorial da Edusp (Editora da USP)- leu, gostou e resolveu reunir as histórias num livro-xerox, para consumo familiar.
Duas pequenas editoras, a Ars Poética e a Giordano, se interessaram pelo produto. Nasceu, assim, "Gutavo e Marina".
Com a publicação, o menino ganhou espaço na edição nacional do "Guinness Book", o livro dos recordes, como o autor mais jovem do Brasil.
Desde então, não parou de escrever, sempre a máquina (só passa o texto para o computador depois que o considera pronto).
O novo trabalho -uma bem humorada releitura da história bíblica de Noé- é todo em rima, por influência dos best sellers de Ziraldo, que Gustavo devorava.
O próximo, ainda sem data de lançamento, deverá brincar com os Três Porquinhos. "Vou transformá-los em sem-terra. O lobo mau atacará de latifundiário."

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