São Paulo, terça-feira, 18 de março de 1997
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Fiennes provoca paixões

JEANNE WOLF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ralph Fiennes, indicado ao Oscar de melhor ator por seu trabalho em "O Paciente Inglês", saiu da relativa obscuridade como respeitado, mas pouco conhecido ator inglês, para o estrelato.
Isso aconteceu quando Steven Spielberg o escolheu para fazer Amon Goeth, um oficial nazista da S.S. que dirigiu um campo de concentração, em "A Lista de Schindler". O papel lhe deu sua primeira indicação para o Oscar de melhor ator coadjuvante, enquanto "A Lista de Schindler" ganhou o de melhor filme.
Depois disso, Fiennes colheu elogios da crítica por seu desempenho no papel do professor universitário americano Charles Van Doren em "Quiz Show" e conquistou a Broadway com uma abordagem inovadora e convincente do sombrio príncipe da Dinamarca, em "Hamlet". Seu trabalho no papel de um ex-policial em "Estranhos Prazeres" não teve o mesmo sucesso, e o filme, tampouco.
Agora o ator, de 33 anos, cujo perfil clássico enlouquece as mulheres, está sendo elogiado por "O Paciente Inglês", em que faz o papel-título do romance épico da Segunda Guerra Mundial, baseado no best seller de Michael Ondaatje.
Fiennes representa o conde Laszlo Almasy, um explorador húngaro cuja história de amor e traição é narrada em "flashbacks", enquanto ele está à beira da morte por queimaduras.
Fora das telas, o casamento de Fiennes com a atriz Alex Kingston terminou em divórcio, e ele está namorando Francesca Annis, que fez o papel da rainha Gertrude em "Hamlet". Annis é cerca de 20 anos mais velha do que ele e deixou seu companheiro de muitos anos para ficar com Fiennes.
No momento, Ralph Fiennes está filmando "Oscar and Lucinda", em que faz o papel de um pastor do século 19 que se apaixona por uma herdeira australiana, e seu próximo trabalho deverá ser "The New Avengers", uma versão para o cinema do popular seriado de TV britânica, na qual fará o papel de John Steed.
*
Folha - Você hoje integra a lista dos "atores quentes" de Hollywood. Como é a sensação de ser um astro famoso do cinema?
Ralph Fiennes - Eu não me sinto uma celebridade. Me sinto eu mesmo. Agora mesmo, não estou representando. Estou tentando falar com você sobre meu trabalho. É claro que é maravilhoso quando você faz um trabalho e as pessoas elogiam. Mas ser celebridade não me dá a mesma satisfação.
Folha - Em "O Paciente Inglês", você representa um homem cujo rosto é tão marcado por queimaduras que é difícil enxergar seu rosto verdadeiro. Já conversei com atores que disseram que usar uma máscara desse tipo é libertador. Você também a sentiu assim?
Fiennes - Acho que sim. Eu me lembro de estar deitado na cama, usando minha maquiagem pesada de látex, com a equipe de filmagem se movimentando a meu redor, e tive a sensação estranha de ter uma espécie de poder que eles desconheciam. Eles me olhavam e não podiam saber o que eu estava sentindo ou pensando.
A máscara era rígida e me dava uma sensação de estar olhando o mundo por meio de uma janela gradeada. Mas, por outro lado, eu tinha meu mundo próprio. Acho que o paciente inglês usa esse sentimento de "você não sabe o que estou pensando por trás de meu exterior marcado. Eu posso ver você, mas você não pode me ver".
Folha - Você representa aspectos radicalmente diferentes do mesmo personagem -da ação e paixão à virtual imobilidade. Você se sentiu como se estivesse representando dois homens diferentes?
Fiennes - Sim, isso mesmo. Sim, acho que, depois de perder Katherine, a mulher que amava, e sofrer queimaduras terríveis, ele quase literalmente se transforma em outra pessoa.
Folha - As cenas de amor são muito sensuais, mas Kristin Scott Thomas teve que se revelar muito mais do que você, incluindo nudez frontal total. Você ficou feliz por ter sido ela a fazê-lo, e não você?
Fiennes - Bem, eu também tive que tirar a roupa. O fato de você ver uma parte maior dela do que de mim foi uma decisão do diretor, com a qual concordei com alívio.
Folha - Essas cenas foram difíceis para você?
Fiennes - Não foram difíceis, mas não me senti muito à vontade. Acho que esse tipo de cena pode ser muito invasiva. Mas Anthony Minghella é um diretor extraordinário e tratou essas cenas com tato e delicadeza. Com isso, facilitou as coisas para Kristin e para mim.
Folha - O paciente inglês se torna um homem melhor devido ao amor, ou o amor acaba com ele?
Fiennes - Boa pergunta. Acho que, em termos imediatos, o amor acaba com ele, mas a longo prazo lhe dota de sabedoria e compreensão maiores. Acho que no final ele se torna um ser humano mais completo, mais redondo, melhor, e esse ser humano é afetado pelas duas mulheres na sua vida, Katherine e Hana. Mas o principal processo curador de seu espírito vem de seu relacionamento com Hana, a enfermeira. Acho que os dois têm um relacionamento curador extraordinariamente recíproco.
Folha - Seu primeiro nome é pronunciado de maneira muito estranha. Pela ortografia, imagina-se que seria pronunciado "Ralph", mas você diz "Reife". Por quê?
Fiennes - Não é um nome galês, como alguém escreveu. É um nome inglês antigo e é assim que é pronunciado na minha família. Algumas pessoas acham que sou afetado porque meu nome não se pronuncia do jeito que se escreve. Francamente, acho um tédio que fiquem falando desse assunto. Eu preferiria que pronunciassem errado, e não se falasse mais nisso.
Folha - O que você ganha, sendo ator?
Fiennes - Talvez atuar seja uma maneira de conhecer a mim mesmo. Mesmo quando você representa, sempre está sendo você mesmo, de alguma maneira. Habitar a pessoa que é você é uma coisa fascinante. Por outro lado, os personagens que você representa vivem penetrando em sua consciência, aos pouquinhos. Você pensa tanto sobre o personagem que, muitas vezes, chega um momento em que se funde com ele. Às vezes eu percebo como um personagem mudou minha atitude ou a maneira como falo com as pessoas.
Folha - Qual é a parte melhor de ser um astro do cinema?
Fiennes - Você tem mais oportunidades de fazer coisas que gostaria de fazer. Quando alguém me pede para fazer um trabalho, fico tão instigado quanto no início de minha carreira. No Reino Unido, você não tem oportunidades de escolher. Agora estou podendo me dar ao luxo de escolher.
Folha - O recente término de seu casamento teve algo a ver com seu sucesso?
Fiennes - Meu casamento terminou por várias razões, sobre as quais não vou falar. Há partes de minha vida que quero resguardar. Acho difícil responder perguntas sobre quem sou -não me sinto inteiramente à vontade com isso. Os EUA são movidos pelo culto às celebridades. Mas o que se cria não é uma pessoa real. As pessoas não enxergam a mim, elas vêem uma imagem que foi criada. O perigo de ser uma celebridade é querer se transformar nessa imagem.

Tradução de Clara Allain

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