São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 1997
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Hemodiálise e transplante

NEIDE BARRIGUELLI

Pouco se dá atenção, mas todos os meses acontecem no Brasil dez "Caruarus". É a tragédia cotidiana dos 25 mil pacientes em tratamento dialítico no país, com taxa de 30% de óbito. São 7.500 mortes por ano, 625 por mês.
A nova lei de transplantes, ao contrário do que pregam, não vai mudar em curto prazo nossas vidas. O número de transplantes no país é irrisório, e em São Paulo aproveitam-se menos de 30% dos órgãos autorizados pelas famílias.
O transplante só é feito quando há interesse da equipe médica por determinado receptor, aquele que fura a fila e paga por fora cerca de R$ 40 mil.
De nada vale a lei se não forem organizadas centrais de captação e distribuição de órgãos, instituída a fila única fiscalizada por entidades de pacientes, sociedade civil e secretarias da Saúde.
Enquanto não acontece o "milagre" dos transplantes, nós, renais crônicos, temos lutas mais urgentes. Representamos uma conta alta para o SUS, mas nem por isso somos tratados com dignidade. Em 1995, segundo o Ministério da Saúde, foram gastos cerca de R$ 258 milhões, em 3,5 milhões de sessões de diálise para 24 mil pacientes.
A qualidade do atendimento, infelizmente, contradiz o investimento do SUS. A taxa de mortalidade é das mais altas do mundo, isso excluindo os renais agudos, os que morrem antes ou logo após o início do tratamento.
Um renal bem cuidado pode e deve viver mais de 20 anos. E nem precisa ter acesso a máquinas modernas e exames complexos e caros. Não reivindicamos medicina de Primeiro Mundo, apenas tratamento de qualidade.
Certamente seria melhor se fôssemos tratados nos hospitais públicos e universitários. Mas não há vagas, eles não se interessam por crônicos, apenas por casos mais graves, objetos de estudo científico. Alegam que na rede pública nosso tratamento seria mais caro, o que é uma grande mentira.
O curioso é que muitos médicos e professores da rede pública são donos das clínicas para onde somos encaminhados. Existem 570 centros de diálise, 90% nas mãos de particulares. Os setores de nefrologia do SUS são sempre dirigidos por esses empresários. Eles impõem o valor dos procedimentos e vinculam a qualidade do serviço a aumento do faturamento. Somos fonte de lucro fácil.
Somos vítimas de um sistema podre, mas queremos mudá-lo. A nossa esperança é sensibilizar autoridades de saúde, Ministério Público e conselhos de medicina. Antes de sermos doentes desprezíveis, vistos como despesa ao país, somos cidadãos cheios de direitos e vamos lutar pela dignidade e da vida em sua plenitude.

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