São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 1997
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'Deadly' leva paixão ao trapézio

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Uma paixão em sete quadros, os pecados capitais. "Deadly", na tradução literal, mortalmente, é um espetáculo que apresenta a paixão, o amor, em cenas de trapézio, de circo, com um envolvimento físico que não vê pecado nos "pecados".
Abraça cada um sem julgamento moral e retrata como só consegue fazer o melhor teatro, sem predisposição, espelho vivo. Os pecados, ainda que inspirem vagamente as cenas, não são explicitados, não chegam a atingir a consciência do público.
Distingue-se a ira em certa parte, na violência assustadora com que o "duo aéreo" No Ordinary Angels, do brasileiro Rodrigo Matheus e da neo-zelandesa Deborah Pope, se bate em cena.
Também, certamente, a luxúria, com a paixão rolando pelo chão, os corpos agarrados, suados.
Aqui, a preguiça (talvez a avareza) da leitura do jornal de domingo, ele desatento a ela; ali, a gula, desenfreada.
Mas não são os sete pecados capitais, na realidade, que dão a linha da apresentação. O que chega ao público, que assiste extasiado, não faltando espectadores em lágrimas, é uma trama sem maior linearidade, mas bastante conhecida de todos: da paixão em seu início, suas crises, sua neurose e fim, não necessariamente nessa ordem.
Na ação de Rodrigo Matheus/Deborah Pope, a interpretação se mistura, se confunde com os números "aéreos", não faltando os sustos próprios do circo, mas aqui ligados inteiramente à dramaticidade, à emoção da cena.
Ela cai do trapézio, três, quatro metros, mas pára a centímetros, segura por ele. Um ato de paixão, jamais de exibição formal.
Os elementos da cena são mínimos, dois trapézios, cordas que caem do alto, uma mesa. Mas cada um é usado na sua expressão teatral máxima.
Um deles, talvez o mais marcante pela beleza plástica, é a purpurina que cai, como cordas, cinco, seis fios intermináveis, sobre o corpo de Deborah Pope, em prazer indescritível, agarrando-se ao chão, sensualmente. Sensualidade que ela divide, por todo o espetáculo, com Rodrigo Matheus, em seu melhor espetáculo, ele que já dava sinais de sua grande arte "aérea" em trabalhos como "Pentesiléias" e, sobretudo, "Prometeu Acorrentado", ambos apresentados nos últimos três anos em São Paulo.
Aqui, com texto quase nenhum, ao contrário das peças anteriores, Rodrigo Matheus e Deborah Pope revelam um teatro maior.

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