São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 1997
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Endividamento externo crescente

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A trajetória das contas externas brasileiras virou uma espécie de trem-fantasma no qual os sustos, embora esperados, não deixam de provocar sobressaltos. Praticamente a cada semana surgem novas estatísticas alarmantes.
Na segunda-feira, o Banco Central (BC) divulgou dados do balanço de pagamentos para fevereiro. Não obstante a forte repercussão na imprensa, as novas informações do governo contêm aspectos que ainda não foram devidamente apreciados pelo noticiário.
O mais preocupante é a evolução do déficit em conta corrente, que inclui a balança comercial, a balança de serviços e as transferências unilaterais. Esse déficit, acumulado em 12 meses, dobrou no passado recente, passando de US$ 13,6 bilhões até junho de 1996 para US$ 27 bilhões até fevereiro de 1997!
A deterioração se manifesta em quase todos os componentes da conta corrente, o que indica que o problema é de natureza macroeconômica.
A tendência adversa remonta, como se sabe, à fase inicial do Plano Real, em meados de 1994. Antes do Real, nos 12 meses até junho de 1994, o Brasil registrava um pequeno superávit em conta corrente, de pouco mais de US$ 800 milhões.
Um ano depois, o déficit acumulado em 12 meses já alcançava US$ 17 bilhões, em consequência da forte apreciação cambial, da abertura comercial precipitada e da acelerada expansão da demanda interna.
Com a recessão de meados de 1995, o déficit diminuiu de forma significativa, até alcançar os US$ 13,6 bilhões em junho do ano passado.
A que atribuir a nova deterioração da conta corrente desde meados de 1996? Uma parte do problema resulta da reativação da economia, em curso desde fins de 1995. O aquecimento do mercado interno contribuiu para o aumento das importações e para o desempenho medíocre das exportações.
Mas a reativação recente é modesta, muito inferior à que se observou na fase inicial do Plano Real, entre meados de 1994 e princípios de 1995.
Naquela ocasião, o PIB cresceu a uma taxa anualizada de nada menos que 13% em termos reais. Entre o último trimestre de 1995 e o último de 1996, o PIB real cresceu apenas 5,4%, segundo dados preliminares do IBGE.
Apesar disso, o aumento no déficit em conta corrente desde meados de 1996 (US$ 13,4 bilhões) é comparável ao que se observou entre meados de 1994 e meados de 1995 (US$ 17,8 bilhões).
Não só a reativação recente é bem mais modesta como também houve, de lá para cá, mudanças na política cambial e, sobretudo, na de comércio exterior que poderiam ter contribuído para alguma melhora na conta corrente.
Já não se pratica mais o liberalismo extremado e ingênuo que caracterizou a fase inicial do Plano Real, em 1994. E o câmbio foi reindexado desde o início de 1995, o que impediu o agravamento da apreciação cambial.
O problema é que essas mudanças foram insuficientes. A economia brasileira continua bastante desarmada do ponto de vista das políticas de exportação e importação.
E o que é pior: a forte valorização cambial da primeira fase do plano nunca foi corrigida. Alguns indicadores importantes de competitividade externa, como a relação câmbio-salário industrial, voltaram, inclusive, a acusar deterioração no passado recente.
Não se deve perder de vista, além disso, que as repercussões de um processo de valorização cambial persistente não se esgotam no curto prazo.
As reações dos agentes econômicos à nova realidade cambial e comercial e, consequentemente, os efeitos sobre as contas externas e a estrutura produtiva do país costumam se estender por vários anos.
Mesmo que o câmbio real e a taxa de crescimento da economia permaneçam estáveis, o desequilíbrio externo em conta corrente continua aumentando durante alguns anos.
Em entrevista ao jornal "O Estado de S.Paulo", publicada no domingo passado, um dos diretores do Banco Central, o economista Francisco Lopes, fez uma análise franca da situação econômica brasileira. Defendeu, com a sua habitual competência e clareza, o ponto de vista do governo.
"A estratégia de estabilização que adotamos envolve tornar o país mais dependente do mercado financeiro internacional", reconheceu Lopes. Chegou a afirmar que a hipótese de um déficit comercial de US$ 15 bilhões, em 1997, não deveria ser "motivo para preocupações".
À fleuma britânica do entrevistado pode-se responder com um "understatement": a atitude parece um pouco imprudente.
Dado o déficit estruturalmente elevado na balança de serviços (que inclui os juros da dívida externa, remessas de lucros, viagens internacionais, transportes e outros itens), um déficit comercial de US$ 15 bilhões resultaria, provavelmente, em um déficit em conta corrente superior a US$ 35 bilhões.
Seria possível financiá-lo sem perda de reservas? Talvez sim. Mas não se pode esquecer que o déficit em conta corrente corresponde a um aumento do endividamento ou do passivo externo líquido do país. Nunca sai de graça. Implica assumir obrigações com o resto do mundo, na forma de empréstimos ou investimentos.
Essas obrigações terão como contrapartida pagamentos de juros e remessas de lucros em anos futuros, sobrecarregando adicionalmente a conta corrente do balanço de pagamentos.
Também não convém esquecer que em 1998, ano da luta pela reeleição do presidente, pouco ou nada se fará para ajustar as contas externas.
A título de ilustração, vamos imaginar que se confirme, em 1997, o déficit comercial de US$ 15 bilhões que Francisco Lopes encara, aparentemente, com tanta tranquilidade. Suponhamos, ainda, que um resultado semelhante aconteça em 1998.
Nesse caso, o Brasil terá acumulado, ao longo dos quatro anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, um passivo externo líquido da ordem de US$ 120 bilhões!

O colunista Aloysio Biondi está em férias

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