São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 1997
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Kitsch, 'Tristão e Isolda' transborda emoção

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

A música e a direção musical de Tato Taborda ecoam nas bocas e nos ouvidos dos espectadores, quando termina "Tristão e Isolda", na Ópera de Arame, no 6º Festival de Teatro de Curitiba.
Nenhuma palavra, apenas o som, as notas que ficaram do canto belo e inesperado de Beth Goulart, também dos demais; notas que persistem como que para manter um pouco que seja das quase duas horas de emocionante teatro sobre a paixão.
Não só a música. Com o tempo voltam as imagens, cenas de um teatro clássico sem o ser. Filipe Miguez, antes um "dramaturg" mais do que um autor, em "Melodrama", peça da Cia. dos Atores, aqui buscou a autoria, ainda que seja uma "adaptação".
Um telenovelista de histórias juvenis, de "Malhação", ele parece ter transportado o que surge como puerilidade na TV para um palco de emoção real -mas mantendo a angústia essencialmente juvenil com "o romance do amor proibido, mais ainda, do amor impossível", como já descreveram Tristão e Isolda.
Em montagem toda ela excessiva, beirando o kitsch no retrato da cultura celta, que originou a lenda, também o texto beira o kitsch, o ridículo, com suas patéticas declarações de amor, seus solilóquios melodramáticos, sua insistência na segunda pessoa, suas construções artificiais.
Elas incomodam de início, mas logo se perdem, na composição emocional avassaladora dos personagens. Enrique Diaz, afinal mais um ator do que um diretor, mal consegue fazer sentido, ensandecido, tomado de paixão.
Ele é Tristão, o "cavaleiro servidor" medieval que, levado a tomar uma poção mágica, passa a amar a "dama" Isolda descontroladamente, deixando de respeitar seu rei e tio amado, com quem Isolda é levada a casar. Eles traem o rei, são banidos, mas ela o deixa e volta ao "manso" rei da Cornualha. (Não falta humor, registre-se, na montagem.) Reencontram-se, para se perderem novamente.
Isolda, Susana Ribeiro, apaixona-se também, mas com fraqueza e um pé na realidade, um certo maquiavelismo, o que torna o sofrimento de Tristão/Enrique Diaz ainda mais desesperado.
Não há personagens felizes, inteiramente.
O rei Marc, interpretado por um também apaixonado, grande e grandioso Ernani Moraes, que já foi Oswald de Andrade em "As Raposas do Café", sofre pela traição de ambos, infeliz fechado no poder, destruindo aqueles únicos a quem ama.
E todos os atores cantam, todos apóiam as ações dos demais, e cada um parece ter erguido uma interpretação pautada detalhadamente na voz, nos gestos. Em "Tristão e Isolda", diante da apresentação emocionante, até os erros parecem perfeitos.

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