São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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Comitê de ética suspende pesquisa de Aids

MARCOS PIVETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O protocolo 28, a maior pesquisa com medicamentos para combate da Aids já feita fora dos EUA e Europa, envolvendo 996 voluntários brasileiros, teve seu fim decretado um ano antes do previsto.
Financiada pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme, a pesquisa, que começou em abril de 1995, terminou precocemente porque os resultados preliminares do trabalho apontavam que um dos três grupos de pacientes estudados estava sendo tratado com medicamentos de eficácia comprovadamente inferior ao dos outros dois grupos.
Um comitê de ética, externo à pesquisa e contratado pela própria Merck para monitorar o estudo, reuniu-se na segunda-feira em Miami e sugeriu que a Merck parasse o trabalho.
A empresa acatou o conselho e acabou com o estudo nos moldes como ele vinha sendo feito.
O grupo em desvantagem, com 332 pacientes, estava recebendo, conjuntamente, as drogas AZT e 3TC. Era o único que não recebia a droga Indinavir, da última geração de medicamentos, usada para compor o chamado "coquetel".
Segundo o comitê, não seria ético com esses pacientes continuar com o estudo dessa forma.
"Sofremos muitas pressões para parar com o estudo antes ou modificá-lo, mas só podemos tomar decisões depois que há alguma comprovação científica de que uma das terapias é realmente pior do que as outras", disse o infectologista David Uip, da Universidade de São Paulo, um dos cinco centros responsáveis pelo estudo.
Os outros quatro centros que trabalhavam na pesquisa eram a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Hospital Emílio Ribas, Universidade Federal de São Paulo e Centro de Referência de DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
"Antes do que pensávamos, ficou claro que as outras duas terapias eram superiores ao uso conjunto do AZT e 3TC", disse o médico David Lewi, da Unifesp.
Além dos participantes do estudo que tomavam a terapia dupla AZT mais 3TC, havia dois outros grupos: o de pacientes que recebiam o chamado coquetel de medicamentos, composto por AZT, 3TC e Indinavir, e o dos que eram medicados apenas com o Indinavir, um medicamento mais novo do que os outros, que impede a "maturação" do vírus da Aids, tentando assim bloquear sua ação.
O estudo era conduzido pelo método de investigação científica chamado de "duplo cego". Nesse tipo de pesquisa, os médicos que conduzem e os pacientes que participam do estudo não sabem quem está se submetendo a qual tipo de tratamento.
Dezessete por cento dos pacientes do grupo AZT-3TC tiveram reações adversas aos medicamentos e abandonaram o estudo, um índice duas vezes maior do que no caso dos outros dois grupos.
Os pacientes que tomavam AZT-3TC também foram os que apresentaram menor redução da carga viral de HIV em seu organismo após 58 semanas de estudo.
O aumento no número de células CD4, que ajudam o organismo a combater o vírus HIV, foi cinco vezes menor no grupo de pacientes que eram medicados com AZT-3TC.

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