São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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Jeff Wall confunde foto e arte

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Uma exposição que fica em cartaz em Munique até maio é o pretexto para falar do americano Jeff Wall, um artista que vem desnorteando tanto o meio das arte plásticas quanto o da fotografia.
Wall faz grandes painéis em cibachrome (um tipo de filme fotográfico), com fundo iluminado por luz fluorescente, sempre montados em displays de alumínio. Substituem a tradicional "tela".
São minuciosas composições de personagens e situações -como fotos armadas, montadas, com trabalho de direção de atores e ajuda de sofisticada tecnologia de registro de imagens. Seus trabalhos maiores chegam a ganhar o tratamento de um filme publicitário. Depois, digitalização, alterações via computador e efeitos especiais convertem no resultado final.
Com a forma como trata o sujeito da obra, junto à composição e ao uso da luz, Wall remete a tradição da pintura, tangendo também a história da fotografia. Em termos conceituais, utiliza a dinâmica da arte moderna junto com a ambiguidade da fotografia para realizar sua irônica e grandiloquente visão crítica da vida cotidiana.
"A fascinação dessa tecnologia para mim é que permitir que eu faça pinturas de um modo tradicional. Mas ao mesmo tempo há um efeito oposto ao da pintura técnica convencional. É a chance de recuperar o passado e ao mesmo tempo participar criticamente da mais atual espetacularidade", diz o artista no catálogo desta retrospectiva que já passou por Chicago, Paris, Helsinki e Londres.
Na apresentação dos trabalhos Wall mantém um "risco" horizontal quase na metade da superfície, para deixar claro o caráter de irrealidade, para que não se confunda com uma foto tradicional ou verdadeira.
Ficar diante de uma obra de Wall é um convite à observação do detalhe, ao mesmo tempo que simplicidade e banalismo se opõem à complexidade de seus temas.
A obra mais famosa de Wall (outra ironia; o nome significa parede, em inglês) é "A Sudden Gust of Wind" (1993). O painel tem grandiosa proporção, de 229 cm x 377 cm, e mostra o momento em que uma forte ventania leva os papéis de um homem e o chapéu de um outro. É impressionante o domínio do artista sobre o olhar do espectador.
Na verdade, trata-se de uma poderosa montagem de computador e da repetição dezenas de vezes do "vôo" dos papéis para chegar no efeito desejado.
Os retoques de computador aparecem também de modo marcante em outro carro-chefe, "Dead Troops Talk" (92), 229 cm x 417 cm, em que uma situação de guerra aparece desdobrada de modo cínico, com soldados dilacerados conversando entre si. Aqui surgem outros denominadores de Wall: a violência e a "grotesquerie".
É em mais uma "masterpiece", "The Vampires' Picnic" (91), 229 x 335 cm, que esses elementos se mostram mais evidentes. A obra retrata um sangrento piquenique de vampiros urbanos e contemporâneos, retratados como personagens de um subúrbio americano.
Os vampiros de Wall ganham deliciosa profundidade de caráter e são envoltos num clima de distanciamento e humor negro. Aparecem num cenário em que uma grande árvore é igualmente importante (Wall levou meses procurando a árvore certa, em vários países). O painel evidencia ainda a teatralidade da obra de Wall: dramas do ser humano em situações de supra-realidade e alienação.

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