São Paulo, sábado, 22 de março de 1997
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RACIOCÍNIO PATÉTICO

Em entrevista nesta Folha, o prefeito Celso Pitta justificou do seguinte modo o favor recebido por sua família de uma das principais instituições envolvidas no escândalo dos precatórios: "não houve nenhuma intenção de não pagar". Tratava-se apenas de receber uma "cortesia". Ademais, como o prefeito "não concorda absolutamente" com o favor, providenciou um depósito de ressarcimento "na data em que essa operação foi tornada pública" (um ano depois).
Com um discernimento moral como esse, tudo parece realmente muito mais simples. Não existiriam propinas, subornos, atos de improbidade ou corrupção. Haveria apenas funcionários públicos que eventualmente recebem, de instituições suspeitas, algumas "cortesias". Pode ser o aluguel ou compra de um automóvel, a doação de uma casa, ou mesmo -por que não?- um depósito em conta corrente.
Seguindo a mesma lógica peculiar exposta pelo prefeito da maior cidade do país, nem mesmo existiram escândalos. Tudo estaria resolvido contanto que, nas ocasiões em que esse tipo de operação viesse a público, o dinheiro fosse devolvido. É estarrecedor, quase inacreditável.
O infeliz jogo de palavras entre receber algo "sem pagar" ou obtê-lo como "cortesia" entraria para o anedotário se não estivessem em questão indícios de envolvimento com um dos maiores esquemas de desvio de recursos públicos a que o país assistiu nos últimos anos.
Do mesmo modo, chega a ser patética a idéia de que devolver o dinheiro possa anular ou mesmo reduzir a importância da descoberta ligando Celso Pitta ao Banco Vetor. Uma vez recebido, o favor é um fato consumado. De resto, evidentemente não são R$ 2.600 ou R$ 6.100 que estão em jogo, mas a eventual relação que esses pagamentos sugerem com um esquema que envolve milhões.
Com explicações desse quilate o prefeito Celso Pitta se emaranha ainda mais num conjunto já grande de situações duvidosas.

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