São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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Contêiner carregava bala Juquinha e coca

HUMBERTO SACCOMANDI; LUCAS FIGUEIREDO
DOS ENVIADOS ESPECIAIS À CALÁBRIA

Traficantes sul-americanos e mafiosos italianos usaram balas Juquinha e Chupa-Chupa para fazer chegar seus carregamentos de cocaína à Itália.
É o que revelam os documentos da Procuradoria da cidade de Turim (norte da Itália) sobre a rede de tráfico de drogas à qual Paulo César Farias era ligado.
"Confirmo que fui ao Rio e depois a São Paulo... para definição dos detalhes do envio e para os contatos telefônicos com a empresa de balas Chupa-Chupa, que serviria de cobertura", disse em depoimento o mafioso Antonio Scambia, que participou da operação e colaborou com a Justiça em troca de tratamento especial.
As empresas brasileiras que fabricam esses populares doces foram envolvidas involuntariamente no esquema do narcotráfico.
Elas se limitavam a vender o produto, sem saber que ele só servia de fachada para a operação.
Esquema
O primeiro passo do tráfico era juntar o fornecedor e o comprador da droga. Isso aconteceu em 1990, quando os mafiosos Antonio Scambia, 66, da Calábria, e Alfonso Caruana, 51, siciliano radicado na América Latina, se reuniram em Curaçao (Caribe) para acertar os detalhes do negócio.
Scambia representa um "pool" de famílias calabresas, chefiado por Vincenzo Mazzaferro e que conta com o chefão Giuseppe Morabito. Nessa época, eles já dominavam o tráfico de cocaína e heroína na Europa, segundo a Justiça italiana.
Caruana tinha o contato com os produtores de cocaína na Colômbia e levava a droga até o embarque em outros países da América do Sul, como o Brasil.
O segundo passo era escolher um produto de fachada, que seria exportado para a Europa. Com ele, iria a droga. A importadora era uma empresa suíça.
O primeiro carregamento de cocaína, com 140 kg, viajou com um lote de balas Juquinha.
Os mafiosos não usaram, porém, o método folclórico de traficantes de porta de escola: colocar a droga dentro da bala.
Usaram o velho truque dos fundos falsos. Neste caso, em contêineres destinados à exportação.
Eles eram fabricados sob medida para os traficantes transportarem a cocaína. "Fui de ônibus a um local a cerca de 100 km ou 150 km de São Paulo, perto de um aeroporto privado, onde, em um galpão, se preparava o contêiner, segundo as indicações dadas", disse Scambia.
"O contêiner, já com a cocaína colocada no fundo falso, ia à empresa de balas, onde era carregado e eram preenchidos os documentos de viagem. A própria empresa, que ignorava tudo, providenciava o transporte até o porto."
Rota
Esse carregamento chegou a Gênova. De caminhão, foi para a Suíça, mas a droga foi retirada antes, ainda na Itália. Cerca de 30% da cocaína seguiu para a Calábria (região no extremo sul do país).
O mesmo esquema, partindo do Brasil, foi repetido no segundo carregamento, que levou café em pó solúvel, e no terceiro, com balas Chupa-Chupa (também citadas como Chupa-Chups nos depoimentos) da marca Doces Santa Fé.
Com o café, ocorreu um fato curioso. As balas Juquinha e Chupa-Chupa acabaram comercializadas pela importadora suíça que participava do tráfico. Já o café encalhou e foi doado para a Cruz Vermelha, segundo Scambia.
Quando o esquema parecia funcionar perfeitamente, um incidente mudou os planos dos traficantes. "Como no Brasil uma empresa de bala tinha pensado em rechear seu próprio produto com cocaína, Caruana teve de se dirigir a um outro lugar para organizar a partida do contêiner", declarou.
Foi então escolhido o Panamá como porto de partida. As camisetas usadas como mercadoria de cobertura também teriam sido doadas à Cruz Vermelha suíça.
Posteriormente, foram feitos ainda dois envios a partir da Venezuela, usando óleo mineral.
A sétima remessa -sobre a qual há uma versão de que poderia ter sido desmembrada em duas- deveria partir do Brasil, mas foi apreendida pela Polícia Federal.
O último carregamento, de 5,5 toneladas de cocaína, partiu de Cartagena (Colômbia) camuflado com sapatos, e foi apreendido em Turim, dando origem às investigações que comprovaram as ligações de PC Farias com o narcotráfico.
(HUMBERTO SACCOMANDI e LUCAS FIGUEIREDO)

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