São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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As caras do Brasil

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O Brasil é um país capaz de ser extremamente generoso e, ao mesmo tempo, cruel. Capaz de ser alegre, informal e soturno. É a terra da alegria e da música, mas também da violência mais estúpida, do roubo, do crime, da desfaçatez.
Cada vez mais, os brasileiros vão se defrontando com a crise de sua "cordialidade" e tomando consciência de que o velho paraíso tropical, feito de democracia racial, sotaque francês e relações amenas, guarda um monstro em seus porões.
Tanto melhor que eles venham sendo abertos. Das barbaridades do período autoritário, passando pelo impeachment e pelas CPIs, o Brasil vai, como queria Cazuza, mostrando a sua cara.
E a cara é bem mais feia do que as que aparecem na "Caras".
As investigações sobre as ligações de PC Farias com o narcotráfico indicam que ainda há muito a vir à tona.
Tome-se o caso do Rio. Quantas vezes jornalistas, intelectuais e políticos, sinceramente interessados na recuperação da cidade, já alertaram sobre a necessidade de se investigar quem são os verdadeiros senhores do tráfico?
E por que nada é feito, por que as investigações só chegam aos Uês e às favelas?
As denúncias de que o Brasil é um paraíso de lavagem de dinheiro parecem não ser levadas muito a sério por aqui. Mas não há dúvida de que o esquema bilionário dos cartéis tem no bolso muito mais gente importante do que se imagina.
Já descobriu-se, no Congresso, o envolvimento de parlamentares com o narcotráfico. Não haveria outros? E não haveria magistrados, membros dos Executivos, empresários?
A própria CPI dos títulos públicos parece roçar na ação dos cartéis. Uma outra comissão, que pudesse investigar especificamente a lavagem de dinheiro e a presença do esquema corruptor do grande crime organizado no Brasil, certamente estaria em condições de abrir um baú de horrores.
Nem sempre as coisas caminham com a velocidade que a sociedade deseja. Mas, aos poucos, os avanços aparecem.
No momento, o grande clamor, além da necessidade de se chegar aos mentores políticos do esquema dos títulos, é que as investigações da CPI não acabem em pizza.
Isso seria, de fato, um salto: conduzir o processo de modo a criar condições para que a Justiça, enfim, puna os responsáveis. Não é mais suportável para uma sociedade que se moderniza, como a brasileira, a idéia de que para ser punido é preciso ser pobre e preto.

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