São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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As finanças 'espertas'

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

A CPI dos precatórios já produziu evidências de fraudes da maior gravidade. Deve-se reconhecer isso a favor dos seus membros e, como esperança, no mínimo, as coisas não poderão continuar do modo como vinham sendo feitas.
Mas é preciso atenção para uma faceta mais ampla. Há duas grandes vertentes de fraudes sendo reveladas: a mais específica, com operações casadas de títulos públicos vinculados a precatórios, e outra, mais ampla, com operações de "esquenta e esfria" dinheiro, explicada por Celso Pinto em sua coluna na Folha no dia 20.
Essa segunda vertente talvez se desdobre em outra CPI, mas já serviu para mostrar que o financiamento de títulos públicos há muito encobre operações de sonegação fiscal, desvio de recursos, corrupção e golpes contra o Tesouro público.
O fato grave é que isso era mais ou menos sabido, mas tolerado. O que está vindo a público é um estado de lassidão moral gerado nos anos em que os valores maiores do país foram ultrapassados pela ética e prática do mundo das finanças "espertas". Agora se forma um momento de decisão: ou o país, por meio do Congresso, corrige isso ou afundamos no time das nações sem dignidade.
Há quase 20 anos uma crise nas finanças públicas vem sendo administrada com o endividamento de curto razo, calotes parciais da dívida pública, fraudes, trambiques e expedientes "espertos". Como consequência, estimulou-se a formação de valores propícios à rapinagem, à vantagem pessoal, ao enriquecimento rápido por intermédio de espertezas financeiras. Em vez de produzirmos empregos e parafusos, produzimos "yuppies" e socorro a bancos.
Mas já não se sabia de que isso ocorria de modo mais ou menos amplo? E por que isso foi tolerado?
Há anos que mentes não cooptadas vêm alertando para esses desvios. Escritos propondo renegociar a dívida pública para começar a sair do problema, como os que elaboramos, foram ironizados por aqueles que ganhavam muito com o estado das coisas.
Por fim, chegou-se a uma situação em que se elevou à categoria de pináculo a adoração do endividamento público, seguindo as "regras de mercado" e com taxas de juros de agiota. A política de "tirar esqueletos do armário", no sentido de transformar em dívida pública efetiva débitos passados potenciais, é praticada sem se questionar se é possível diminuir o tamanho desses débitos, ou se é possível desonerar o Tesouro.
Que valores se transmite à nação quando se acha corriqueiro que se cobrem 20% de juros ao mês sobre o cheque especial, ou quando se diz, zombeteiro, que o endividamento externo amplo que está ocorrendo outra vez é algo normal?
Quando a ética da agiotagem é adotada como o norte da política monetária, chega-se ao ponto de onde chegamos.

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