São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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O LIVRO DOS AMANTES INVETERADOS

NICOLAU SEVCENKO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

Alain de Botton é suíço de nascimento, mas cresceu e foi educado no Reino Unido, tendo feito seus estudos superiores em Cambridge. Seu primeiro romance, "Ensaios de Amor", foi publicado pela Macmillan em 1993, teve imediato e enorme sucesso, estando já traduzido em dez línguas. No Brasil, está sendo lançado pela Rocco.
Atualmente com 27 anos, ele mora em Londres, cidade onde se passa a ação do romance e cuja atmosfera cultural e circuitos mais atilados ele descreve com notável precisão e economia de referências. Em 1995, publicou dois outros romances. Um deles tem o título pitoresco de "O Movimento Romântico: Sexo, Compras e o Romance" ("The Romantic Movement: Sex, Shopping and the Novel") e revisita a questão das tensões amorosas e da psicologia passional no contexto da metrópole moderna. O outro se chama "Beije e Diga" ("Kiss and Tell") e se trata de uma curiosa biografia de uma moça comum e desconhecida, Isabel, com a qual o biógrafo mantém uma relação intensa.
Com uma reputação firmada no panteão literário britânico, Alain de Botton colabora com frequência na grande imprensa e se dispôs a falar à Folha, em Londres.
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Folha - Você acha que ser muito consciente sobre o amor, como seu romance prova que você é, agrava as dores da paixão ou pode servir de alívio para elas?
Alain De Botton - Obviamente existe algo assim como "pensar demasiado", que acaba se tornando "pensar errado", sobre certos problemas, e há portanto o risco de que se possa ser demasiado consciente sobre o amor. No entanto, acredito na máxima do pensador francês do século 18 Chamfort de que "o pensamento consola as pessoas de qualquer coisa". Como o amor em geral tende a ser uma experiência triste, é um alívio às vezes ser capaz de suavizar a dor recorrendo ao pensamento. Pensar -e por extensão escrever- é terapêutico. Pelo menos no meu caso funciona assim.
Folha - Na verdade alguns autores que pertencem à chamada tradição do amor-paixão, como Rousseau, Stendhal e Denis de Rougemont, acreditam que a própria essência do amor reside na dor. Ou seja, as pessoas não sofrem a dor porque se apaixonam, mas, ao contrário, apaixonam-se porque anseiam a dor. Você acredita nisso?
Stendhal, por exemplo, perdeu a mãe muito cedo. Ao buscar mulheres inalcançáveis ou ausentes, ele estava, enquanto adulto, prendendo-se à imagem daquela mãe desaparecida tão cedo.
Folha - No seu romance, os personagens principais vão de um relacionamento fixo para outro. Isso significaria que, na sua visão, o amor opera estritamente em unidades constituídas de casais ou você acha que ele também pode se multiplicar ao acaso?
Folha - Uma vez que estamos vivendo num tempo que é uma era pós-Aids e também uma época de fragmentação e obsessões com a realidade virtual, um tempo portanto em que o amor tende a ser mais sensorial do que sensual, mais masturbatório do que carnal e mais imaginado do que vivido, você acredita que o amor, tal como nossa civilização o inventou, caminha para a extinção?
Folha - E será que você concordaria que, se Dante ou Petrarca vivessem hoje em dia, eles provavelmente não se apaixonariam pelas garotinhas mais bonitinhas do bairro, mas se voltariam para criaturas glamourizadas pela mídia?
Folha - Falando sobre a temporalidade do amor, a julgar pelos vai-e-vens dos seus personagens, parece que o amor ou está preso ao imperativo dos impulsos regressivos ou circunscrito ao circuito do eterno retorno. Você acredita que haja espaço para alguma forma de progresso no amor?
Folha - No fim do livro, você faz uma afirmação fascinante: "O amor ensinou à mente analítica uma certa humildade, a lição de que, por mais duro que você lute para chegar a certezas imóveis, a análise nunca deixará de ser deficiente -e portanto nunca estará longe do limiar da ironia". Com isso você estaria querendo dizer, afinal de contas, que o amor é uma farsa impensável?
Folha - Qual é seu atual projeto?

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