São Paulo, domingo, 23 de março de 1997
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'A Indomada' devolve a novela a seu lugar

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Indomada" devolve a novela a seu lugar
"A Indomada" já nasce embalada no formato dois em um -é transmitida às 20h30, mas tem o sabor do "vale a pena ver de novo". Nunca uma novela abusou tanto do direito de copiar, ou "reciclar", como querem seus autores, novelas do passado.
Trata-se do primeiro clone da TV brasileira. Mas não seria o caso de falar em "empulhação", já que a estratégia é deliberada e reconhecida em público até pela Globo.
A cidadezinha fictícia no interior do nordeste funcionando como alegoria do Brasil; a rivalidade das famílias que se alternam no poder municipal; a paixão proibida entre os herdeiros rivais; as figuras complementares da prostituta e da vilã casta ou beata; o político canalha; a juíza incorruptível; o forasteiro que chega para abalar uma rotina secular; a heroína que volta do exílio para acertar as contas com o passado -tudo, enfim, nos remete imediatamente para um ambiente familiar e repisado.
O que acontece? Crise criativa na Globo? Ocaso da telenovela? Nada disso. Que o gênero está esgotado, nós todos já estamos esgotados de saber, mas seria preciso inverter a análise e dizer que a Globo sabe o que está fazendo quando põe no ar uma novela que mais parece uma ruína das novelas do passado.
As pessoas querem isso mesmo: personagens conhecidos, emoções baratas, casos melados de amor, risadas fáceis, enredos óbvios e lineares, além de um pouco de suspense ou desconforto afetivo só para preparar o momento da reconciliação feliz -que sempre vem no final, certa como a morte.
Novela é hábito, como o jantar em família que ela, a novela, contribui muitas vezes para tornar menos insuportável, já que a rotina dos outros geralmente é mais divertida que a nossa.
Se a arte de modo geral inviabilizou a representação realista há mais ou menos um século, o gosto médio do público, do qual a novela é hoje o maior termômetro, não acompanhou essa reviravolta histórica. O horizonte das pessoas continua refém dos estereótipos realistas.
Em "O Rei do Gado", essa vocação das novelas para o realismo ultrapassou a barreira da ficção e fez da própria realidade um dramalhão com verniz político e intenções supostamente sociais. Senadores caíram na cilada e se misturaram a atores profissionais fazendo os papéis de si mesmos. Foi regressivo, para ser educado.
Agora, sem a pretensão de concorrer com o "Jornal Nacional", assumindo-se como mero entretenimento de massa, o que de fato é, "A Indomada" devolve a novela ao seu lugar de origem, do qual aliás ela nunca saiu.
E, de quebra, ainda há Eva Wilma, dando aula; Ary Fontoura, excelente como sempre; Renata Sorrah, num grande papel; e Adriana Esteves, que já cansou de morrer na cruz da crítica e responde mais uma vez mostrando que é uma das melhores atrizes da sua geração.
Jô Soares
Peço licença para registrar as cartas que recebi a respeito do artigo sobre o programa de Jô Soares, publicado no dia 9 deste mês. Além das três cartas já publicadas (duas no Painel do Leitor, dia 14, e uma na seção de cartas do TV Folha, dia 16), gostaria de agradecer as cartas de Sonia Meirelles, Mônica Bacellar Tomaselli, Francisco de Andrade, Moisés Levy, Raul Moler, Claudinei de Moraes, Annamaria Brollo e M.S.L., de Curitiba, que assina só com as iniciais. As sete primeiras cartas elogiam o texto; a última protesta, diz que "apenas o autor concorda com o que está escrito" e pergunta "em que se baseou para escrever tanta coisa ridícula". Como o espaço é exíguo demais para todas as cartas, fica aqui registrado o protesto.

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