São Paulo, terça-feira, 25 de março de 1997
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Direitos humanos indivisíveis

FLÁVIA PIOVESAN

Anualmente, no mês de fevereiro, o Departamento de Estado norte-americano divulga relatório sobre a situação dos direitos humanos no mundo. No último dia 4, de forma surpreendente e inédita, a China apresentou relatório sobre a política dos EUA quanto à matéria, afirmando que a proteção dos direitos humanos nesse país é muito limitada, "não incluindo direito a roupas, alimentação, abrigos, educação, trabalho, descanso".
Esse episódio propõe duas questões centrais: a) a "globalização" dos direitos humanos e b) o alcance desses direitos.
Quanto à globalização dos direitos humanos, implica a concepção (enunciada pela Declaração de 1948 a reiterada pela Declaração de Viena em 1993) de que esses direitos são universais, não devendo sua proteção se reduzir ao domínio reservado dos Estados.
Essa concepção viabiliza as sistemáticas internacionais de controle "vertical" (organismos internacionais/Estado) e "horizontal" (Estado-Estado), no que se refere ao respeito aos direitos fundamentais -e o caso EUA/China reflete o último controle.
Além dessa reflexão, o episódio envolve o debate do alcance dos direitos humanos. Os dois países apresentam discursos reducionistas acerca desses direitos, primando ora por um discurso liberal (EUA), ora social (China).
Contudo a plenitude dos direitos fundamentais só pode ser alcançada com a observância dos direitos civis e políticos, como também dos direitos sociais, econômicos e culturais. Sem igualdade, não há liberdade, e sem liberdade não há igualdade efetiva.
No Brasil, a década de 1990 registrou um avanço na política dos direitos humanos, seja com relação à globalização desses direitos (o Brasil finalmente passou a ratificar os principais instrumentos internacionais sobre a matéria), seja com relação à indivisibilidade desses direitos, com um significativo avanço (exemplos: a indenização aos familiares dos desaparecidos políticos; o Plano Nacional de Direitos Humanos; os projetos de lei que instituem a cota mínima de 30% às mulheres nas candidaturas ao Legislativo e o reconhecimento da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo).
O mesmo, todavia, não ocorreu no plano dos direitos sociais, sendo urgente um sério e comprometido debate sobre políticas públicas. Que o episódio China/EUA possa oferecer subsídios para o repensar da agenda nacional, com a crença de que os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.

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