São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 1997
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Sartre, o livro, o ser e o nada

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 722 difíceis e áridas páginas, o filósofo francês Jean-Paul Sartre, com a publicação de "O Ser e o Nada" -em 1943-, mudou um pouco a história da filosofia e dos costumes de seu país na segunda metade do século.
Agora, 54 anos depois, seu trabalho sobre a liberdade, a existência e o engajamento do homem chega pela primeira vez integralmente ao leitor brasileiro com o lançamento, no próximo mês, pela editora Vozes, da versão para o português de "L'être et le Néant - Essai d'Ontologie Phénoménologique".
Durante dois anos e meio, Paulo Perdigão, não um acadêmico, mas um crítico de cinema e programador de filmes da TV Globo, se dedicou à tarefa de transpor para os brasileiros os conceitos sartrianos.
Assim, depois de decidir se o espectador veria na madrugada "Rambo 2", com Sylvester Stallone, ou "Persona", de Ingmar Bergman, Perdigão -filósofo de formação e que tem em Sartre sua paixão- se dedicava à "concepção fenomenológica do nada".
"Eu sempre me interessei pela obra de Sartre, e há muito tempo me ofereciam a tradução. Trabalhei com a última edição lançada pela editora Gallimard, cotejando com edições em inglês e espanhol", disse Perdigão à Folha.
Concebido nos críticos anos 30, o livro -influenciado pelos trabalhos de Edmund Husserl (1859-1939) e presença do pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976)- tem sua origem ligada a uma anedota.
Segundo a escritora Simone de Beauvoir, Sartre (1905-1980) se encontrou com o sociólogo Raymond Aron e este lhe contou que, com a fenomenologia, "falar de um copo é falar de filosofia".
Simone, mulher de Sartre, escreve que a sentença foi para ele um choque. Seu desejo era também pensar a "existência cotidiana".
"O 'Ser e o Nada' é um livro clássico, um trabalho fundamental. E penso que continua atual em pelo menos um aspecto", explica o filósofo Gerd Bornheim, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "É o conceito de liberdade que levanta a questão da possibilidade de uma ética sem normas."
Quando Sartre é preso pelos nazistas, durante a ocupação da França pela Alemanha -ficou retido de junho de 1940 a março de 1941-, continua a escrever "O Ser e o Nada" em uma cela.
O personagem que se situa no mundo pela existência de "A Náusea", romance de 1938, é elaborado em um sistema filosófico.
"Na filosofia do século 20 a ética era tratada como um falso problema. Sartre nos recoloca a questão", diz o professor de filosofia Bento Prado Jr, da Universidade Federal de São Carlos.
Sartre põe o homem diante de si mesmo e sofre a angústia da escolha. Uma liberdade que fez com que o Vaticano colocasse o livro em sua lista de obras proibidas, imaginando que "O Ser e o Nada', sem muita cerimônia, havia expulsado Deus do paraíso da fé.
Nos primeiros 15 anos, a obra vendeu 55 edições, tornando-se um dos maiores best sellers da filosofia. De todos os conceitos, a juventude francesa reteve a independência e a impressão de que o preto -nas roupas- caia bem.
"O 'Ser e o Nada' se articula na obra literária de Sartre", diz Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo. "Ele sempre recusou uma vida acadêmica e a instituição é cruel com quem ultrapassa seus limites."
"A publicação será uma maneira de corrigir alguns enganos sobre o pensamento sartriano", acredita Perdigão, reconhecendo que, hoje, Sartre está mais próximo do esquecimento.

Livro: O Ser e o Nada
Autor: Jean-Paul Sartre (tradução Paulo Perdigão)
Lançamento: Editora Vozes
Preço: não definido (780 páginas)

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