São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 1997
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Fiennes repete no palco o sucesso das telas

MARIA CRISTINA FRIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

Ralph Fiennes pode não ter agradado tanto à Academia de Hollywood, que preferiu dar o Oscar de melhor ator a Geoffrey Rush, de "Shine - Brilhante", mas é atualmente o maior sucesso dos palcos londrinos.
Apesar de os ingressos para vê-lo em "Ivanov", do dramaturgo russo Chekhov (1860-1904), terem se esgotado desde o início da temporada, em fevereiro, há fãs do protagonista do filme "O Paciente Inglês" diariamente, já na madrugada, na porta do Almeida Theatre tentando conseguir uma entrada.
A peça, considerada uma obra menor pelo próprio Chekhov, tem momentos melodramáticos que a distanciam do realismo que o autor buscou em seus trabalhos mais maduros. Oscilando entre a farsa e o drama, tem também tiradas de humor caricatural, na sátira à sociedade russa.
O personagem-título, entretanto, é complexo e dá a Ralph Fiennes (segundo o ator, o nome vem do inglês arcaico e se pronuncia "Reif Fainis") a oportunidade de mostrar o grande ator que é no teatro, onde começou sua carreira.
Ivanov é um homem endividado, angustiado e confuso com o próprio comportamento, ora egoísta, ora piedoso em relação à mulher, Anna Petrovna, que está morrendo de tuberculose.
Sacha, uma moça muito mais jovem, se apaixona por ele, o que só aumenta o seu sentimento de culpa. Ele é acusado de ter se envolvido com as duas mulheres por interesse e de agravar o estado de saúde de Anna com suas atitudes.
Descontrolado, conta aos berros para a mulher que ela vai morrer em breve, depois de tê-la chamado de "judia suja". Logo em seguida, cai de remorsos, desesperado.
Especialmente em pequenos monólogos, muitas vezes com fúria, Fiennes reproduz bem as contradições de Ivanov, tido como um Hamlet russo. O ator já interpretou também esse personagem de Shakespeare em 1995, em uma montagem do mesmo diretor de "Ivanov", Jonathan Kent. Na ocasião, foi cobrado pela crítica por não ter concebido um Hamlet atormentado o bastante.
A compensação veio agora: o personagem russo está mais dinamarquês do que nunca. Ou mais inglês na pele de Fiennes, que não deixa escapar nenhum detalhe. Nos olhos claros, a imagem da depressão, o rosto pálido, o corpo às vezes curvado pelo torpor, as explosões de dúvida, de autocrítica -e de crueldade, bem pior que a de Hamlet com Ofélia na cena em que a manda para o convento.
Diferentemente do príncipe dinamarquês, no entanto, Ivanov não tem de quem se vingar e se vê paralisado ante os seus problemas de falta de dinheiro e de amor pela mulher.
É essa figura inerte, quase tragada pela ação que o público encontra assim que entra na platéia. Ralph Fiennes já está no palco, apoiado sobre uma mesinha, lendo, indiferente à movimentação das pessoas.
Fiennes contracena com bom elenco -Harriet Walter, que vive Anna Petrovna, é conhecida por seu trabalho como Fanny Dashwood em "Razão e Sensibilidade" -mas monopoliza a atenção da platéia quando está em cena.
A montagem, apesar de ser do inovador Almeida Theatre, é das mais tradicionais. Nada ofusca o astro. Iluminação e figurino discretos, cenário correto que gira sobre o palco, compondo os três ambientes: o jardim e o escritório de Ivanov, além do hall da casa do pai de Sacha.

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