São Paulo, sábado, 29 de março de 1997
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Balanço social é responsabilidade do governo

RICARDO YOUNG

A proposta de Betinho para que as empresas publiquem um balanço social (Folha, 26/3) é louvável. Seu principal mérito é o de procurar dar maior visibilidade às ações empreendidas voluntariamente pela iniciativa privada, especialmente nas áreas em que o Estado não cumpre satisfatoriamente seu papel. Além, é claro, de estimular a multiplicação dessas ações para melhorar o país.
No entanto, compelir as empresas a publicar esse balanço é deixar de reconhecer que a iniciativa privada, obrigada pelo governo, já está contribuindo compulsoriamente com uma série de ações das quais, infelizmente, não vem recebendo a mínima satisfação.
Assim, quem deve ser obrigado inicialmente a publicar alguma coisa é o governo, detalhando a destinação dos bilhões de reais que obriga as empresas a recolher diariamente em todo o país, para ações supostamente sociais.
Mergulhemos no que já ocorre hoje. Todas as empresas do país são obrigadas a recolher compulsoriamente salário-educação, contribuições ao Sesi (ou Sesc etc.), ao Sebrae, além do PIS/Cofins e da Contribuição Social. São todas contribuições destinadas a ações sociais teoricamente empreendidas pelo governo ou pela caixa preta chamada de "sistema S".
Exemplo: uma empresa de serviços que apura o Imposto de Renda pelo lucro presumido precisa recolher, do seu faturamento, 2,65% de PIS/Cofins e 0,96% de Contribuição Social. Só aí já se vão 3,61% do faturamento. Além disso, precisa recolher 5,5% de sua folha de pagamento, assim repartidos: 2,5% de salário-educação, 2,5% para o Sesc e 0,5% para o Sebrae.
Considerando que, nessa empresa, a folha de pagamento corresponda a 40% do faturamento, esses 5,5% destinados ao "sistema S" representariam 1,26% do faturamento. Acrescidos aos 3,61% de PIS/Cofins e Contribuição Social, chegamos ao seguinte: a empresa arrecada 4,87% de seu faturamento para ações supostamente sociais. Se a empresa recolhesse pelo lucro real, com uma rentabilidade de 15%, esse percentual subiria a 5,1%.
Ou seja, as empresas já recolhem compulsoriamente 5% de seu faturamento, sem que o governo e "sistema S" prestem minimamente contas e sequer publiquem os balanços sociais sobre essa bilionária arrecadação.
Agora suponhamos que, no contexto de uma reforma tributária, as empresas finalmente fiquem desobrigadas dessas contribuições. Numa empresa com rentabilidade de 15%, a lucratividade aumentaria em cerca de um terço, passando para 20% do faturamento.
Neste caso, sim, faria sentido a proposta de Betinho. Entretanto, no contexto atual, em que 5% já vão pelo ralo, obrigar as empresas a publicar um balanço social representará um gasto extra a impactar a iniciativa privada que, como se sabe, navega em um ambiente turbulento, de alta competitividade e baixa rentabilidade.
Há ainda um risco adicional em se levar adiante a proposta sem atacar primeiro o problema da irresponsabilidade do governo e do "sistema S" em não publicar os seus balanços sociais. É que se colocará o empresariado novamente na situação de bode expiatório da omissão de ações sociais que não são de sua responsabilidade.
Assim, é preciso aperfeiçoar a proposta de Betinho, cobrando transparência, inicialmente, do governo e do "sistema S". E, concomitantemente, fazendo uma reforma tributária, a fim de que as empresas possam efetivamente destinar parte de seu lucro para ações sociais e, aí sim, ter o que publicar no balanço social.

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